sexta-feira, 26 de julho de 2013

#46. Diarios de bicicleta: all is full of love


21-23 de julho em Porto
23-24 de julho em Barcelona


:love

Eu e Judi estamos em Porto esperando pelo dia 23, que e quando nossos voos nos levam embora. Estou ansiosa, nao gosto de estar muito tempo no mesmo lugar. Minha bicicleta esta consertando, estamos a pe, e na tarde do dia 22 pegamos o busao ate os outskirts da cidade pra pedir caixas de papelao a grandes lojas de departamentos. Nope - IKEA e Decathlon dao o desole, aqui as pessoas reciclam as caixas, tchau, boa sorte. No pasa nada, tudo tem que estar empacotado dentro de seis horas de um jeito ou de outro, entao aqui estamos nos, desfilando no lixo do IKEA e roubando uns papeloes esquecidos. (cicloturismo nao e glamour). Uma fita autocolante, uma noite sem dormir, a bike inteira desmontada, amarrada, esvaziada, desgracada em sua nudez de pedacos espalhados no saguao principal do hostel enquanto todos os hospedes estao dormindo. Assim nasce a caixa tosquissima que esta abrindo por todos os lados e que com a qual eu deixo escada abaixo no hostel as 3 e meia da manha. O taxi pra me levar pro aeroporto esta esperando.
Ops... como nenhum taxi queria levar a bike, liguei pra esse so dizendo que teria uma caixinha em vez da mala. Ele esta bravo, mas vamos la, companheiro, abaixa o banco de tras, we can work it out. Foi. (e por isso que eu gosto tanto da Espanha ).Coloco a caixa no taxi, estou sem dormir e com fome mas estranhamente nao estou irritada. Life goes on, temos mesmo pouco controle sobre as coisas, e se uma coisa eu aprendi nessa viagem foi justamente isso - que tudo pode acontecer a qualquer momento.
Abraco a Judi, minha companheira de viagem nos ultimos 10 dias. Nao consigo encontrar nada pra dizer. Olho pra ela e acho que ela sabe disso tambem. Nada, nada pode dizer o que ja foi vivido; nao existe nenhum lugar textual que exprima o que so tem lugar no que ja foi e nao existe mais - como a construcao conjunta desta caixa horrorosa, por exemplo.
Judi e minha companheira e minha cumplice. Minhas reverencias, babe; so nos duas sabemos o que vivemos juntas.

***

Chego em Barcelona pra ficar na casa da Ju e do Michel por duas noites. Sao 10:30 da manha, a Ju esta na yoga e estou esperando por ela na escada, dormindo abracada na minha caixa querida. Claro que estou fedorenta, virada, engraxada e suada no calor de 40 graus que faz nessa cidade. A Ju sacou tudo, me da um beijo, dois quilos de comida e ja enfia minhas roupas imundas na maquina de lavar. Nos dois dias que passo ali ela encara sorrindo uns programas bucha em lojas de bici. Vai no correio pra enviar peso extra comigo. Ouve minhas descobertas sobre bicicleta, mulheres, iogurte e o ph vaginal. Prepara comida vegetariana e topa passear por Barcelona comigo em bicicleta, porque, meus amigos, eu realmente nao topo esse negocio de city tour em metro nunca mais. De noite o Michel chega do trabalho, coloca um sonzao maravilhoso pra tocar bem alto e vai me mostrando as fotos dele e os livros de fotografia que ele tem na estante. Na vespera da minha partida chegam dois amigos pra passar uns dias em Barcelona, e os cinco bebemos, conversamos, ligamos de Skype pra outros amigos em comum que moram em Nova York, falamos de bicicleta - claro - e do terremoto em Fukushima.
Parece ate que eles sao todos cicloturistas tambem, porque entendem direitinho, sem eu ter que dizer nada,  que tudo que eu preciso e uma tonelada de comida sem carne, sensacao de casinha e amigos, roupa limpa, o sentimento de que existe um lugar no mundo pra onde eu sempre posso voltar. Penso e concluo: amizade e isto - uma casa onde a gente sempre tem um cantinho.
Namaste, Ju.

***

No meanwhile, claro, eu tambem me apaixonei por um ciclista.
E ele, que ja foi pra casa em alguma parte do mundo, liga todo dia de manha e de noite pra mandar as buenas vibras, me pergunta coisas da bici e faz declaracoes de amor ciclisticas - ta comendo bastante macarrao, meu amor? Ah, se furar o pneu eu pego um aviao na hora pra consertar pra voce, minha brasileira...

***
Assim e que eu, eu nao tenho casa, mas tenho uma tonelada de amor em volta de mim.
Entao passo no El Corte Ingles e compro dois mapas de escala boa. O primeiro, Barcelona e Arredores+Pireneus Orientais. O segundo, Costa Brava Espanhola.
Amanha saio pra estrada. Agora nao tem rota pre-definida, agora nao tem "destino final: Santiago".
Agora quem escolhe o caminho pra chegar na Suica sou eu.

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