segunda-feira, 1 de julho de 2013

#33. Diários de bicicleta, dia 3 - Horse Stories


Dia 3
Vitoria-Santo Domingo de La Calzada, 65km de montanhas-monstro

 Acordo morta e tudo dói. Faço yoga sozinha no quarto do hostel, e dói minha cervical, dói a parte de trás da minha coxa, dóem meus joelhos. Respiro, respiro, vai, arzinho, prana maravilhoso, vai pro meu corpo e alivia esta dor... Mas é como se minhas pernas pessassem 20kg, como se meu pescoço nao conseguisse segurar minha cabeça, e com muito pesar vou descendo esse corpo escangalhado devagarzinho até a recepçao do hotel.

Abro os mapas para olhar as possibilidades de rotas, e logo me deparo com minhas 2 opçoes. A primeira, seguir pelo caminho dos peregrinos, uma trilha estreitinha entre povoados, passo a passo com os caminhantes. A segunda, pegar algumas estradas secundárias e subir duas cadeias de montanhas, up up up, descendo numa baixada íngrime no final até a regiao de Rioja.

Penso no Antonio e no fazer o próprio caminho, respiro fundo e saio em direcao a Peñancerrada, no caminho para as montanhas.

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Já sao 10:00 da manha quando consigo parar na padaria. O garçom gatinho tatuado chega no bom dia e me pegunta o que eu vou querer de cafe da manha. Olho pro balcao e escolho meu menu pedreiragem: por favor, meu querido, me de um croissant, um pao com queijo, um desses croissants de chocolate aí do canto, um croquete de verduras e um cafe com leite. Quase consegui ouvir o barulho das palpebras do companheiro ao ouvir o meu pedido, e especialmente ao notar como consegui comer tudo aquilo em menos de 4 minutos. "Ah, e me dê mais dois croquetes pra levar - pode ser?"

E saio com minha barriguinhas satisfeita e minha marmita pela pista da direita. Imediato - a estrada é um veludo e vai direto pra montanha.  Pra um monte delas.  E tem alguma coisa nisso, sabe?, pedalar olhando pra uma serra imensa que voce sabe que vai ter que encarar. O sol forte, vou pedalando devagarzinho. Nao tem ninguem. Subo, subo, subo, tá tudo bem, e chego no alto do Monte Vitoria, 758m de altitude. Beleza. Consegui. Nem foi tao difícil.

Acontece que foi. Porque logo veio a tal da serra da Cantábria, que nao acabava nunca. Subo, paro com a bike, parece que meu coracao vai sair pela boca, tenho medo de ter um treco. Como um chocolate e um croquetinho da marmita. Up we go, chego finalmente em Peñacerrada e encontro um bar aberto, peço uma coca, converso com o garçom. "Ah, menina, voce ainda tem que subir mais...".

Juro que achei que nunca conseguiria, mas fui. E foram os 20km mais dificeis que eu ja fiz na vida. Subi subi subi, parei pra comer o outro croquetinho, terminei meu segundo litro de agua e comecei a descer. A 60km por hora, uma via sinuosa, e embaixo eu via ao vinhedos de Rioja, ao lado as montanhas, o sol batia e eu descia cada vez mais rápido, deixe essa subida pra trás, Mariana, e entendi que só tinha sido bom porque eu tinha subido toda aquela montanha sozinha. Ouvindo a Miss Kittin e descendo, descendo, leaving it all behind, lembrando do e.e. cummings dizendo let it all go - so comes love.

Cheguei em Haro com o coraçao levinho, como se algo tivesse ficado na montanha. Pedi uma garrafa inteira de vinho, que o garcom me deu de graça - "¡la ciclista valiente!" -, comi uma paella, na tv do restaurante passava o terceiro dia do Tour de France e eu estava feliz. Enfiei o resto do vinho numa garrafa de plastico e pedalei ate o albergue em Santo Domingo de la Calzada. Estacionei a bike, deitei no chao e fiquei. Enfiei uma banana na boca e fui mastigando devagarinho, estirada no chao.

Sai pela cidade e comprei uma maquina fotografica baratona, uma baguete e queijo pra fazer o sanduba de amanha. Um cara vestido com roupa de montaria chegava e puxou papo, completamente maluco. Estava chegando de cavalo. Me pediu um pedaco de pao, eu dei, e mais tarde encontrei com ele no refeitorio. Ele me deu um limao de presente, deitou no meu colo e ficou contando que vive so com cavalos na Inglaterra, e que de vez em quando gosta de falar com gente. Ele ficou ali, no sofa, falando sobre cavalos, me mostrando o corta-unha que carregava no bolso, num total nonsense elaborado no mais refinado high-class sotaque britânico. Eu bebi o vinho inteiro e embarquei no mundo dos cavalos do Dean. Que prometeu que vai me escrever assim que encontrar um computador.

Horse stories.


2 comentários:

  1. Mariana! Que demais! Muita força e pernas fortes! E let all go, dear! Beijo grande!

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  2. Mari linda!
    Ler seu post foi a hora mais feliz do meu dia.
    Gostoso matar um pouquinho da saudade de vc.
    Troco muito os Houses de madrugada por seus diários de bici.

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