quarta-feira, 28 de agosto de 2013

#52. Diários de bicicleta: kitsch me, babe

Valência-Xeraco-Les Rotes-Platjas del Pi-Santa Pola-Cartagena
330km para chegar no mundo de Gabriel 

Nada de mau pode acontecer comigo se eu estou perto do mar.
Nem o vento contra, nem os edifícios de mau gosto que enfeiaram essa parte da costa mediterrânea da Espanha com a bolha econômica da construçao civil, nem o calor de 35 graus pegajosos que me transforma num chafariz suador ambulante. 
Descendo de Valência em direçao ao sul da Espanha pela linha da costa, eu presto atençao é no mar transparente, no ventinho úmido que me lembra a Bahia, no mundo dos seres humanos que saem com sua farofa no isopor pra curtir a praia no verao. Digo definitivamente adeus à fairy tale dos hipsters gatinhos de Barcelona e da Costa Brava. Minha pequena Blanca e Cálida costas espanholas, minha Porto Seguro misturada com Cancún; minha maravilhosa terra de balneários para farofeiros alemaes e britânicos que usam sandálias com meias; meu amado mundo de parquinhos de diversao de plástico enfiados no meio do mar: eu te aceito do jeito que você é; eu te recebo na sua cafonice com meus braços bem abertos.

***

Algumas coisas o deserto tinha que me ensinar. Mas mais que me ensinar, ele me deu fome de ver gente, como se encontrar com outros seres da mesma espécie fosse uma sorte de necessidade fisiológica. E aqui nesta parte da costa espanhola nao pode existir mais gente. E nao pode existir gente mais cafona. O pessoal do cabelinho de gel e estilo jogador de futebol. As gatas de shortinho e sandaliona alta meio travecs. A turma alemao-de-balneário. Descendo Valência em direçao a Alicante, e depois até Cartagena, é aqui que eles vivem em agosto, e sua capital simbólica nao poderia ser outra senao Benidorm, uma cidade tao asquerosa quanto Camboriú e onde o mar nao passa de um enfeite na paisagem shopping center de prédios, ruas largas e lojas de souvernirs.

Mesmo assim eu digo sim. Decido que quero exercitar todas as formas que eu conseguir de dizer SIM, bem alto, pra tudo quanto é coisa. E começo mandando toneladas de mensagens pelo Warm Showers, que é o couch surfing dos ciclistas. "Sou ciclista pedalando a Espanha há dois meses e meio - quer me receber aí no sofá?"  Eu, que sempre gostei mais de cachorro do que de gente, eu agora estou facilíma pra qualquer um.

Assim é que tenho as experiências mais interessantes, começando por Valência, onde sou recebida pelo Carlos, um colombiano good vibe que faz um doutorado por lá e que me leva pra um city tour completo em bici. Like-minded, ele me dá as melhores boas-vindas ao meu propósito de voltar à terra das gentes. E logo vou baixando pra encontrar uns kyte surfers lindos e barbudos que me pegam pela mao e me levam para uma - acreditem se quiserem! - praia selvagem no meio da prediarada. E ali passo uma tarde inteira, de topless e com a bicicleta estacionada na areia, assistindo os kytes como se fossem pipas no céu. Já acho que estou abusando do Universo quando, dois dias depois, paro numa praia maravilhosa de pedrinhas ao lado de Benidorm e, bici de novo na beira do mar, vejo um casal acenando com uma latinha de coca-cola debaixo do guarda-sol. Eles sao valencianos e viajam por aí, meio hippie, casal de 50 anos sem filhos e com cachorros - "hoje você nao vai a lugar nenhum; hoje você dorme numa caminha gostosa no nosso trailer e a gente vai cozinhar pra você!". Enfio a bike no carro deles e aí estamos os três, comendo uma janta maravilhosa enquanto eu brinco com a cachorrinha yorkshire. Assistimos um filme dublado na tv, falamos bobagem como se nos conhecêssemos de toda a vida, e meu coraçao está apertado na hora de ir embora. 
Meu Deus do céu, cada vez mais eu amo a Espanha.
Em dois dias chego finalmente a Cartagena. A cidade é esquisita, e minha impressao é que há uma certa urgência sexual no ar. Nunca me senti mais observada, e é como se cada pessoa estivesse comendo minha perna e minha bunda com os olhos. Descubro que a pensao que eu reservei pela internet é na verdade um prostíbulo, e o quartinho onde minha bici fica guardada tem um cachorro fedorento dormindo. Na sala do lado, uma moça faz as unhas com vestidinho decotado.
À la Gabriel Garcia Marquez, acho tudo engraçado e me despeço mentalmente desse lugar que, à sua maneira esquisita, é a apoteose da minha volta à humanidade. Hoje à tarde começa outro mundo; hoje â tarde vou pro lugar com que eu sempre sonhei, né? Andaluzia querida, que é que você vai me ensinar?




*nesse ponto já tenho muitas fotos, mas tem sido tao difícil fazer upload nestes internet cafés... Juro que em um mês farei update de todos os posts com imagens das coisas e pessoas que estou encontrando por aí

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

#51. Os diários de bicicleta: porque eu odeio os desertos de dentro e de fora

Zaragoza-Híjar-Castellote-Martín del Río-Teruel-Albarracín
8 dias, 300 inesquecíveis quilômetros no meio do mais puro-lugar nenhum

Deus criou a perfeiçao dos dois meses da minha viagem de bicicleta, como se fosse uma sinfonia, uma coisa perfeita, algo que, tivesse eu previsto como ideal, seria insuportavelmente chata - a realidade me saiu duzentas vezes melhor. Pois vejam - saí da França onde eu vivia, acompanhada de uma companheira e aprendiz de cicloturismo como eu, gentilmente deixando o meu mundo na direçao do sul, com carinho e amor. Depois do teste drive com a Carol, entrei na Espanha e respirei aliviada: feels like home; já estou apaixonada por esse país no primeiro dia. Desci e alcancei uma sorte de cura espiritual pra dois anos da Suíça-dos-coraçoes-gelados entrando na Espanha e chegando a Santiago de Compostela. No caminho conheço minha guru de cicloturismo, minha linda Judi, e com ela pedalo até Portugal. Quando chego a Barcelona no horroroso Polishop-voador que é a Ryanair, recebo o amor da Ju e do Michel e pedalo sozinha esta coisa livre, maravilhosa, diversa, altamente ciclística e exuberante que se chama Catalunha. Nunca fui mais feliz entre montanhas, mares, ciclistas, vulcoes cheios de vegetaçao. Dali pego um trem pra Zaragoza, sem dúvidas minha cidade preferida na Espanha, conheço a comunidade ciclística ativista na Ciclería Social Club e marcho pros Pireneus, passando três dias nas montanhas mais bonitas que eu já vi na vida (e olha que eu morei na Suíça, né?).
Tudo até que, voltando a Zaragoza, eu decido pedalar em direçao ao sul, fazendo meu caminho até esta cidadezinha famosa chamada Albarracín, a uns 250km - dali o plano é descer em direçao à Valência, depois baixando pela costa e chegando à Andaluzia.
O que eu encontrei na minha descida até Albarracín, meus amigos, foi o deserto. Nem sabia que tinha deserto na Espanha - vai dizer que você sabia? Pois bem: deserto de Mosnegros, it is.
E agora eu entendo que existem coisas que alguém pode aprender amar, como eu aprendi a amar as montanhas.
Do deserto eu quero distância até o fim dos meus dias. O deserto pra mim, apesar dos meus esforços, nao passa de um grande, gordo, asqueroso e potente  mind fucker.

***
Quando foi a última vez que você ficou sozinho?
Você lembra de algum dia em que nao viu e nao falou com NINGUÉM stricto sensu?

Saio de Zaragoza na maior tranquilidade, uma da tarde, e às três faz 40 graus. A estrada é uma reta, e dos dois lados eu vou vendo nonstop essas montanhas, e tudo é pedra, um tom interminável de marrom e dourado. Nenhuma plantaçao, só montanhas baixinhas de pedras brancas, terra e capim queimado. Passa um carro a cada vinte minutos, quando muito, e quando olho pra frente o asfalto vai fazendo aquelas ondas de miragem de deserto. Eu pedalo, pedalo, e a terra de ninguém nao termina nunca. O horizonte é eterno, nao existe ponto de chegada. Os pequenos pueblitos estao a cada 30km e eu começo a ter medo. De tudo, basicamente, porque a água está acabando, porque a única coisa que eu encontro no asfalto sao essas dezenas de passarinhos mortos e de cobras douradas que atravessam rapidinhas o meu caminho.
Nunca imaginei que 50km pareceriam tao longos. Uma semana, e todos os lugares onde eu chego sao horrorosos, carissimos, nada pra comer. É tao seco que minha lente de contato vive seca. Eu paro constantemente, faço uns exercícios de yoga, mas sinto como se estivesse sufocando. Nao consigo respirar. Nao consigo dormir. Enfiada numas estradas secundarias onde nao existe ninguem, escrevo pros meus amigos bombeiros canários informando onde estou - y se por la noche me llamas y no contesto, llama a los bomberos aragoneses para que vengan por mi, porfa. Principalmente o medo de morrer, a solidao absoluta, a desconexao total. Um monte de montanhas difíceis e aquele nada absoluto e ubíquo, uma eterna vontade de vomitar, uma eterna vontade de gritar.
Chego a Albarracin, essa cidade que todo mundo ama e que o Lonely Planet me diz que é uma das mais lindas da Espanha, e eu nao consigo caminhar. Estou exausta. Passo dois dias deitada na minha barraca, só saio pra colocar minha perna fodida no rio. E quando, depois de dois dias, tomo meu caminho pra Valência, oq ue acontece é assim: depois de 60km eu paro na beira da estrada, sento e começo a chorar.
I´ve had enough.
Nao sou feita pra essa solidao.
Nao sou obrigada a ficar nesta merda.
Odeio o deserto e ponto. Nao adianta.
Saio correndo pra estacao de trem como se fosse uma fugitiva, peço uma passagem pro primeiro trem pra Zaragoza. Entro no trem e imediatamente consigo respirar, impressionante. Chego a Zaragora, vou logo à Cicleria, e ja me convidam pra um pedal às 21:30 da noite. Só meninas, 30km, pra curtir o primeiro dia de lua cheia e tomar uma cerveja. Somos 20 mulheres e uns 5 caras, estou feliz, adoro este lugar.
Nao se pode aprender a amar tudo. E eu aprendi agora que existem coisas que a gente precisa odiar. com toda a força da sobrevivencia.
O deserto agora é minha metáfora pessoal.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

#50. Os diários de bicicleta: dicas de cicloturismo, parte 1

[este post será dividido em dois ou três, porque as dicas são muitas e o texto é muito longo!]

Recebo um montão de mensagens de amigos que pedem toda sorte de dicas de cicloturismo.
Perguntas sobre o caminho de Santiago são as mais populares, mas também tem muita gente querendo saber qual foi a minha rota, como comer na viagem, que coisas levar, qual tipo de bicicleta aguenta esse tipo de viagem, se é preciso ser fit pra viajar de bike, onde dormir, como se planifica o caminho, em quais países dá pra pedalar...
Como a viagem ainda não acabou, e como toma tempo demais nesse momento da minha vida de sem-computador pra descrever bonitinho, step-by-step os lugares por onde eu passei, então vou postar o roteiro da viagem - com descrição das estradas que eu tomei, como chegar e como partir - quando terminar os próximos quilômetros que me esperam. Dividir é a minha forma de agradecer a todos os ciclistas que pararam, riscaram meu mapinha e me indicaram os melhores lugares e estradas para pedalar.
O caminho de Santiago é uma etapa à parte, e também os detalhes de como eu fiz a viagem eu vou postar mais pra frente (mas se você quiser pedalar por ele agora, entre aqui no www.bicigrino.com, que você encontra tudo que precisa pra fazer o Caminho!).

As dicas que vou dar aqui são na verdade o jeito que eu encontrei pra fazer as coisas, e podem ser resumidas assim:
é mais fácil do que parece.
tire férias e vá pedalar.


***

A bicicleta

Depende do que você quer.
Se você quer um veículo 4X4 que te leve pra todo lado, vá de mountain bike (mas você vai ser bem mais lento no asfalto).
Se você gosta de pedalar smooth, vá com uma bike híbrida - o nome chique para genérica -, dessas que parecem um pouco com mountain, mas não têm suspensão e têm a roda mais fina. A minha é assim (mas você ficará limitado em trechos sem pavimento).
Se você tem grana pra investir, compre uma bicicleta de cicloturismo, que é super robusta e aguenta muito peso (mas eu realmente não gosto muito, porque são muito pesadas e cansam pra subir escada de hostel!).
Nunca vá com essas bicicletas de cidade, tipo dobrável, ou sem marcha, ou com poucas marchas.
Vá com a melhor bike que você puder. Porque se alguma coisa estiver minimamente desconfortável, compaheir@, eu juro: esta coisa ficará absolutamente insuportável no seu quinto dia de viagem, quando você estiver passando 5 horas diárias sentadinho e embaixo do calor ou da chuva.
Revise sua bike antes de sair de viagem.
Cuide de sua querida bundinha e adquira um assento confortável, mesmo que ele seja um pouco caro.
Não esqueça: a melhor bici é aquela que tem o quadro que ajusta ao seu corpo. O resto, todas as outras peças são cambiáveis; o quadro não. O quadro, meus amigos, é o coração da bicicleta.


*Essa é a minha companheira: Trek 7.2

Levar ou alugar bicicleta?

Se você vai pra algum lugar longe, e sem carro pra levar sua bici, essa é uma pergunta crucial.
Olha, eu sempre levo a minha porque as bicis pra alugar que tenho visto até agora são uma porcaria. E seguramente bicis boas de aluguel devem custar uma fortuna. E quando eu digo fortuna, eu digo Fortuna, assim mesmo, com um F bem grande no começo.
No avião: isso significa que eu encaro a bucha de desmontar minha bicicleta, colocar coisinhas pra protegê-la de choques, buscar pedaços de papelão e montar uma caixa gigante, ralar pra encontrar um táxi que leve meu bebê e pagar uma fortuna pra chegar com ela até aeroportos. Na verdade é divertido; nem é tão chato assim. As companhias aéreas geralmente transportam sua bici, mas a política para isso varia em cada uma delas. Cheque antes. Em alguns aeroportos do mundo há mesmo empresas que embalam a bike pra você!
No trem: na Europa há trens que levam a bici sem desmontar. Na Suíça, por exemplo, é facílimo; na França é meio chato; na Espanha é um perrengue. Mas sempre tem como levar; trens são sempre a melhor opção pra transportar bikes. É só uma questão de checar com a companhia de trem do país que você escolher como é que funciona por ali.
Ônibus: alguns te obrigam a desmontar, outras companhias levam a bici inteira. Mesma coisa - checar com as companhias.
Não esqueça: desmontar a bike é sempre a pior opção, porque é chato e toma um tempão.
Se você não sabe desmontar, leve a bike no seu mecânico, fique assistindo ele fazer, faça mil perguntas e aprenda a montá-la de novo. Esta será sua primeira e melhor aula de mecânica.

Alforges


Ciclistas não viajam de mochila - por causa do equilíbrio do corpo e do conforto, os alforges são as mochilas dos ciclistas.

A bici é barata comparada com o equipamento que você vai precisar pra poder fazer uma viagem, mas se o equipamento for bom ele vai durar pra sempre. O custo da sua viagem de cicloturista tende a diminuir drasticamente no longo prazo..
Instale um bagageiro na bike e ali pendure seus alforges. Eles têm que ser impermeáveis, e as melhores marcas que rolam são Vaude ou Ortlieb. O meu par de alfoges custou 150 euros, se você quiser saber mais ou menos a média de preços.
No guidão, instale uma bolsinha removível e impermeável especial pra bicicleta. Ali você vai colocar sua carteira, documentos, protetor solar, óculos de sol e todas as outras coisas de uso frequente. É maravilhoso, é essencial!
*Minha bike na Costa Brava espanhola - detalhe é a bolsinha que vai na frente

Tem que ser ciclista pra começar? + Pra não se machucar

Não precisa ser atleta pra começar.
Já vi bastante gente sedentária que ficou fit pedalando em cicloturismo. Vixe... muita gente mesmo.
Mas se você não está acostumado a pedalar com carga - quase ninguém está, né? - vá bem devagarinho nos primeiros 10 ou 15 dias.  Pense que bicicleta de viagem, com carga, é um outro veículo, meio que uma carroça. O centro de gravidade é diferente, o equilíbrio é diferente, subir encostas é diferente, descer é diferente.
Treine a humildade, faça poucos quilômetros por dia, alongue, aproveite pra parar e visitar os lugares bonitos do caminho, pra fazer um piquenique embaixo da árvore. Mesmo que você sinta que pode ir mais, não vá. Escute seu corpo. Chegue no fim de cada dia, entre no chuveiro/banheira e tome um banho da água mais gelada que você conseguir encontrar, mesmo que isso signifique um sofrimento louco e que os seus ossos doam mais que a vida. Isso vai desinflamar todo o seu corpo e vai ajudar na sua recuperação muscular.
Dá pra escrever uma história sobre as pessoas que eu vi machucadas no caminho, a maioria delas com tendinite no tornozelo ou com problema de joelho.  Na maioria das vezes a lesão vem do sobre-esforço, e geralmente a gente não se dá conta que está passando do limite. Eu mesma machuquei meu pobre joelhinho no meu primeiro mês...
Lembre: o pessoal que pedala 70km por dia na manha geralmente não se machuca. Esses normalmente são os cicloturistas experientes.
Então use o cicloturismo pra descobrir o seu corpo e pra cuidar dele.
Se você quer pedalar um montão por dia, a melhor coisa é pegar sua bike e sair pedalando por aí, livre e leve, sem alforges e sem compromissos.
Se o negócio é sair de cicloturismo, vá devagar, pedale menos, contemple mais. A recompensa no final será um corpo forte e sem lesões.

Comendo

Ciclista de longa distância é como diabo da Tasmânia ou - citando o Manu - o Cookie Monster.
Nada nesta vida dá mais fome. E quando eu digo fome, digo: comprar um pacote de macarrão, comê-lo inteiro na janta (=500 gramas), chegar no final da viagem de 2 meses e ter perdido cinco quilos e meio. Digo: comer cinco croissants, um café com leite e um suco de laranja no café da manhã. Digo: uma pizza inteira, uma salada e um sanduíche de meia baguette na hora do almoço, e mais uma coca-cola normal pra acompanhar.
Cada pessoa tem uma estratégia pra comer que nem monstro, ter sempre comida à mão e ainda por cima não acrescentar muito peso aos alforges. Vou explicar a fórmula que eu desenvolvi pra mim, e que foi a melhor que eu encontrei até agora.
Iogurte todo dia, porque meninas têm que cuidar muito do ph e evitar chatices como corrimento e outras doenças íntimas.
Sempre tenho comigo um saquinho de ameixa seca, que são fibra pura pro intestino, e que ainda por cima têm bastante açúcar.
Uma caixinha de 1 litro de suco de laranja sempre me acompanha no quadro da bike, do lado da garrafa de água. É açúcar puro, absorve rápido, tem bastante calorias e vitamina C.
Um pacote de cookies, porque se o açúcar baixa de repente eles sempre estão ali.
Duas bananas - uma antes, uma depois da viagem.
Quando sinto dor no estômago por alguma razão, como bastante maçã. Não sei qual a ciência disso, mas elas me ajudam muito. A mesma coisa com limão. Sempre carrego comigo um limão.
Um pacotinho de castanhas sempre salva a pátria da vontade de comer sal.
Na hora do almoço, tiro dos alforges um pãozinho, um queijo, tomate. Na janta sou mais cuidadosa e, no camping ou no hostel, encaro bastante abacate, salada escura (espinafre ou rúcula; o que tiver), a proteína disponível, macarrão.
Ser vegetariana é difícil. Quando encontro, me jogo em cima dos grãos de bico. Como nem sempre foi possível, flexibilizei e comecei a comer peixe e frutos do mar na viagem. É difícil, porque o corpo digere mal, mas foi a solução.
No mínimo 4, mas normalmente uns 5 litros de água por dia.
E no final de cada dia, a maravilhosa, a genial, a benvinda cerveja que salva a pátria.










domingo, 11 de agosto de 2013

#49. Diários de bicicleta: revisão dos 3.000km

In a nutshell

No comeco foi assim: minha amiga Carol e eu decidimos fazer uma viagem de 14 dias em bicicleta. Saímos da Bretanha no dia 14 de junho e pedalamos 1200km descendo a costa atlântica da França até a fronteira com a Espanha, no País Basco.
As férias acabaram, ela voltou. Eu tinha fechado meu apartamento em Paris e não conseguia responder à pergunta fundamental - "voltar pra onde?"- , porque acho que de um jeito ou de outro sempre me senti parte de lugar nenhum. Diálogo interno com meu corpo que então só estava se acostumando a passar o dia sentadinho na bike, eu decidi pedalar até Santiago de Compostela porque precisava de respostas. No começo, sozinha, mas no caminho pesquei alguns amigos espanhóis e conheci a Judi, minha nova companheira de bici. Cheguei a Santiago com o coraçao mais leve, sem muitas respostas, mas pelo menos com perguntas mais interessantes. Na calculadora somei mais 800km, tive uma história de amor daquelas bem lindas com um ciclista espanhol e descobri que eu gosto mesmo é de pedalar as montanhas.
Depois de Santiago deu um vazio, mas não deu nenhuma vontade de voltar. Peguei a Judi e fomos descendo pela costa em direção a Portugal pra descobrir que os nossos colonizadores são motoristas pitbulls. No caminho passamos por um parque nacional espanhol, fizemos um hikingzinho e acampamos, adicionamos mais uns 300km ao nosso odômetro e pegamos um bronze maravilhoso pelas praias que a gente encontrou.  Era verão e fazia sol por dentro e por fora.
Mas eu queria ficar na Espanha e sair do Portugal infernento das estradas. Então roubei papelão no lixo, montei uma caixa e peguei um horroroso vôo da Ryanair pra Barcelona. O ticket da bicicleta custou mais do que o meu. Cheguei sem saber pra onde ir, mas Barcelona é maravilhosa, né?, e quando eu entrei na primeira loja de bicicleta com um mapa na mão e perguntei pro menino do conserto "pra onde eu vou?", ele apontou vulcões, praias transparentes, cidades medievais e mais uma tonelada de montanhas, e então alguma coisa dentro de mim começou a rir bem alto de novo. Santiago is over, mas o mundo, o mundo é um lugar localizado no beyond e está cheio das ciclovias que você quiser, te levando pra onde você escolher. Este é o Caminho.

Foi bem assim que descobri que a Catalunha, vista por dentro, é um coração em formato de bicicleta.

Na dureza de serras infinitas e paisagens agrestes do Dali, fechei meus 3.000km de bike. Pra celebrar, tomei um trem pra Zaragoza, deixei a bicicleta no hostel e peguei um buzão pros Pireneus. Porque os Pireneus - olha, os Pireneus sempre foram o meu sonho. E eu caminhei 60km neles em três dias, saindo todos os dias da minha barraquinha azul de trinta euros que viveu tormentas inenarráveis, chuvas de granizo e ventanias que me assombraram e não me deixaram dormir.

O escocês que é campeão de corrida no leste da Suíça, e que caminha Alpes e Himalaias semanalmente, me acompanhou e descreveu nas caminhadas: I have never seen a woman as strong as you in the mountains.
Obrigada, Ranald.
Subi no carrinho dele e peguei uma carona até Genebra, rezando pela segurança da minha bicicleta em Zaragoza. Subi na balança e pluft: 5.5kg a menos, as pernicas duras  e uns músculos na bunda que eu nem sabia que existiam.
Parece que eu estive 3 anos fora.
Em quatro dias eu volto pra Espanha pra pedalar mais um mês. Ou dois, até o outono chegar.
Porque ainda     ainda eu não descobri pra onde eu posso voltar.
Sadhu.

 *Vista na chegada de bicicleta à praia de Montjoi, na Catalunha


 *Hiking os Pireneus


*Minha barraquinha valente
 
*Judi e a terrível confecção de caixas caseiras para transportar a bicicleta no vôo da Ryanair

*o filme que é uma espécie de identidade

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

#48. Os diários de bicicleta: Catalunha. Ponto.

26 julho - 02 de agosto
Barcelona-Parc Natural Montseny-Girona-Olot-Figueiras-Roses/Cap Creos- Cap de Begur - Tossa del Mar-Barcelona
350km de montanhas, praias mediterrâneas e vulcões, bem dentro do coracão do ciclismo

A Catalunha pra mim sempre foi Barcelona. Ponto.
E I never really got it. Porque, pra ser bem sincera, eu sempre achei Barcelona um pouco overrated.
Mas quando eu saí de bicicleta em direcão ao interior... Bueno. O mundo e seus tapas na minha cara.

Porque a Catalunha é um lugar assim: com praias transparentes de água quente e selvagens, montanhas maravilhosas que se espalham do interior até a costa, de zonas vulcânicas onde o chão meio que dissolve enquanto você faz o seu hiking sozinha em trilhas estreitinhas mas delicadamente sinalizadas, de cidades medievais cravadas literalmente sobre umas paredes de pedra na beira de precipícios.
E tudo isso, tudo isso no coracão do ciclismo.  Porque aqui é um dos hot spots do ciclismo mundial, um desses lugares cheios de estradas secundárias, com montanhas e retas, e que nunca fica tão frio que torne o inverno inciclável.
Vou comprar uma banana e o quitandeiro é ciclista, abre meu mapa e indica a melhor rota pra eu seguir. Um dia antes o cara do restaurante do camping, já meio pancudinho, anunciava seus 20 anos em cima de uma bike e me mostrava, também no meu querido e amassado mapa, como pegar a estrada que é, definitivamente, a mais linda em que eu já pedalei na vida, saindo de Arbúcies até Girona entre um cânion, à esquerda, e uma parede de pedra, à direita.

Acordar, pedalar 10 minutos até a praia, tomar sol por duas horas, e depois subir uma montanha até a zona vulcânica de Olot? E ainda cruzar o castelo que o Dali construiu pra Gala no meio do caminho?
Pela exuberância de Aleph, de microcosmo de tudo que existe de mais bonito nessa vida, com gente brava mas verdadeira, eu declaro meu amor pela Catalunha.
Na minha completa repulsa a compromissos de toda ordem, encontro um pedacinho meu que concede do lado de cá: sim, eu poderia viver aqui.