sexta-feira, 5 de julho de 2013

#38. Diários de bicicleta, dia 7: mais rápida que o tempo/The bike diaries, day 7: faster than time

[English version below]
Dia 7
Carrión de los Condes-Léon, 110km, velocidade média de 25km/h

Nao estou interessada em conversar, nem saber de onde você veio, nem em trocar meu português pelo seu francês. O que eu quero hoje é sair daqui e pedalar até a cidade que fica para além do trigal marvado. Questao de sobrevivência.

Entao eu vou. Nem me atrevo na estrada de peregrinos, no ¡buen camino! com os caminhantes.  No poderoso mau humor que estou, minha bad vibe pode espalhar pra geral e todo mundo amanha ainda acaba acordando com tendinitie.  Assim é que eu desvio logo de cara, evito todas as flechas que indicam a trilha e pego a estrada nacional, 110 km planos e entediantes até Léon.

Ah!, gloriosa, objetiva, lisinha, vazia, calorenta e asfaltada N-120... Nunca ninguém te amou tanto como eu te amei hoje.

Pedalo. Pedalo, pedalo, pedalo. E quando minha mente começa a caminhar pelos vales tenebrosos dos meus medos e rancores, aí entao é que eu pedalo mais e mais rápido. Nao me atrevo a descer, a nao ser para pegar água e fazer xixi a cada 20km. O calor está insuportável, mas eu nao sinto nada, minha mente sao as minhas pernas. Como na bike, escuto todo o Abbey Road, ouço três discos do Daft Punk e um do Kraftwerk.

Eu atravesso os espaços vazios como se atravessasse o próprio tempo parado, e às vezes tenho a impressao de que entrei em outra dimensao, que estou sonhando. Ninguem me vê, eu nao vejo ninguém, mas sou de repente uma com a bike, com o presente, com o meu corpo e com minha mente, que agora está aqui, comigo, concentrada neste ùnico lugar e nesse esforço que é existir.

Se você pedala longas distâncias, acho que você conhece essa sensaçao.
Se nao, minha sugestao é que você aproveite que amanha é sabadao e saia pra meditar com sua bike logo de manhazinha.


Chego no albergue em Léon e dois espanhóis do hip-hop - um rapeiro, outro b-boy - se jogam na minha frente pra conversar. Sao ciclistas tambem. Eles sao os maiores sem grana da face da terra e me convidam pro programa mais bucha que pode existir: uma farofa esplêndida. Levando na mao algumas sacolinhas plasticas com frigideira, talheres, pratos e afins, os dois estao saindo pro parque da cidade para cozinhar um pacotinho de peito de frango no fogareiro que eles trazem na bagagem, já que neste albergue aqui nao tem cozinha e eles nao tao afim de gastar dinheiro com o menu peregrinos de 9 euros.

Passo no mercado e compro uma garrafa de vinho de 3 e 50. Sentamos embaixo da árvore e começa a cozinhaçao, fumaça pra todo lado, o frango rolando solto na frigideirinha enquanto eu, vegetariana, assisto e converso morta.-de-fome, um pedaço de pao puro na boca.

Vamos convir aqui comigo: maior reconciliacao com a humanidade do que esta nao há de existir.

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Day 7
 Carrilón de los Condes-Léon, 110km, average speed 26km/h

 I´m in such a bad mood that I decide the only thing I can do is cycling. I don´t want to see anyone, I don´t want to talk to anyone, I don´t want to ¡buen camino! any of you bloody pilgrims. I'm definitely away from the hikers' path today; I'm in the mood for a paved and objective, road-biker-like, straight forward national road full of cars and nobodies.

My dear, beloved, glorious, boring, flat, Spanish national road number N-120! - nobody has ever loved you more than I did today.

Because I cycled you with all my heart, as if there was no tomorrow, begging you to take me away from the lands of boredom, and every time I felt resentful or sad, and every moment my thoughts wandered in the lands of sorrow (they were so many), then I cycled on your pavement even faster and even stronger, as if my legs could replace my mind, as if my body could anchor me somewhere else, somewhere light, somewhere good. Somewhere present.

So I did not leave my bike except to get water and to find restrooms, and in the 30 degrees of the Spanish summer I went as fast as if I was crossing time itself, and in going on like this for so long and so fast, I felt I became the Way itself, one with the moment, one with the only task of putting my body and my mind in service of the task of existing.



I arrive in Léon and two Spanish, hip hop cyclists jump in front of me. They are broke and don´t want to spend 9 euros in the Pilgrims Menu, so they invite me to go to the main city park. They have a bag with a pack of chicken that they will cook it with their camping tools. I say yes, get ourselves a bottle of wine and follow them and their chicken to the city center.

And here I am, vegetarian, starving, with a piece of plain bread in my mouth, watching these two funny guys as they prepare their chicken under a tree and laughing at their amazing stories about the hip hop scene in Spain.

If that is not my reconciliation with the humankind, then I have no idea about what reconciliation might be.


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