domingo, 21 de outubro de 2012

#10. Sobre o amor

 Para Julieta

Venho pensando no amor.   Comecei sem querer, lendo o Krishnamurti, que num dos livros dele me colocou essa pergunta aqui, difícil pro meu coração cheio de referências acadêmicas e de quatro anos de psicanálise: dá pra se relacionar com o outro sem se machucar e sem sentir um rancor crescente, mesmo quando o querer relacionar-se profundamente é justamente criar essa possibilidade, ou seja, estar aberto para sentir tudo isso, pra viver nos limites do mau-humor cotidiano, dos nossos dias de tédio e de ter sono, das diferenças que em dois segundos já viraram um monstrinho logo monstrengo de mágoa e outras asquerosidades sentimentais em geral?  E o jeito como ele redimensionou esta pergunta, antes de responder, fez choverem estrelinhas aqui, nesse meu quarto de estudante numa Suíça do quase-inverno.  Porque ele respondeu dizendo que esta seria uma questão impossível, e pra ela, só uma resposta impossível seria razoável.  Essa resposta impossível, pra ele, é o amor.*
Talvez eu tenha ficado tão sensível ao Krishnamurti ali porque a pergunta sobre o amor já tinha sido enfiada na minha cabeça não fazia muito tempo. Uns dias antes eu tinha falado com a Ritinha no Skype e ela me veio com essa, muito boa.  "Então, Mari, amor é o quê?".  Amor, pra ela, é amar e ponto.  Você não ama porque o outro te faz sentir bem, por exemplo - se fosse, logo que você sentisse que ele/ela não era mais capaz de provocar isso, seu amor acabava imediatamente.  Amor não é assim; é um tipo de coisa à qual a gente não renuncia e que, fazendo, é como matar uma parte de si (já fiz; a gente nunca se recupera direito). Amor é uma coisa que a gente sente e é gigante e maior do que a gente mesmo, mas que não pesa porque é bom; amar, portanto, é do registro dos impossíveis, do transcendente, do ládosladosdelá - muito, muito mais do que do aquidosladosdecá.
Ritinha, Krishnamurti e as pecinhas de dominó caindo, todas elas com corações em vez de bolinhas, um   dois   três   quatro  cinco   seis     e  zero.  O meu repertório de experiências, minhas imagens todas tentando fazer sentido do que é o amor pensado assim, como a pergunta impossível, a única que realmente importa.  E eu lembro do André Abujamra cantando "o infinito é infinito, o infinito é o amor, o infinito nunca acaba porque nunca começou". E experimenta fazer uma hora de prática de yoga especialmente pra Anahata, o chacka do coração, do amor incondicional e compassivo - com essas posturas em que você coloca o ombro pra trás e abre bem o tórax; me diz, então, se você não sai com vontade de beijar todo mundo na rua, abraçar árvore, e se não consegue ver cada folhinha da árvore mais nitidamente do que nunca? A vaca olhando pro bezerro. O olhar do meu cachorro quando eu chego em casa - ah, e eu tenho que dizer que o olhar do cachorro, no meu dicionário pessoal (se ele existisse), provavelmente seria a definição primeira de amor. O Tom Zé e o Hermeto Pascoal, eles são o próprio infinito, a criação liberada de tudo - e tem como qualificar aquilo que eles fazem sem usar como referência, aberta ou implícita, isso que eles parecem sentir por tudo, essa erotização absoluta do mundo? Falta de ar sem querer quando a gente sente cair um floco de neve    lindo   na bochecha; risada de criança de quatro anos; medo do dia em que a mãe vai morrer; qualquer música do Flaming Lips; "te considero pra caralho" na mesa do bar.  Pensando bem, não sei se existe alguma coisa que não seja ilusão fora disso: pegando na mão do Abujamra de novo, "só o amor é real".

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Referências pra você, então, com amor:

*Aqui vai o trecho do Krishnamurti, em francês, de "De l'amour et de la solitude", p. 18:"Il s'agit là du problème majeur de l'existence: savoir comment vivre une vie où l'esprit aborde la relation sans avoir été ni bléssé ni gauchi. Est-ce chose possible? Nous avons posé là l'impossible question. C'est une question impossible, dont il faut trouver l'impossible réponse. Car ce qui est possible est médiocre, déjà achevé, défunt; mais si l'on pose l'impossible question, l'esprit doit trouver la réponse. En est-il capable? L'amour, voilà la réponse. L'esprit qui n'enregistre nulle insulte, nulle flatterie, sait ce qu'est l'amour".

* Aqui vai o vídeo de "Essa Música Não Existe", do André Abujamra:

http://www.youtube.com/watch?v=ZuyDp3kkV4g


* Aqui vai a página "10paezinhos" do Fábio Moon e do Gabriel Bá - dois irmãos cartunistas maravilhosos, que têm as tirinhas mais cheias de amor do mundo:

http://10paezinhos.blog.uol.com.br/