sexta-feira, 26 de julho de 2013

#47. Diarios de biciclieta: cool waves wash over me

25 de julho, 70km, SantCeloni-Arbucies
26 de julho, 50km, Arbucies-Girona 


Que caminho tomar ate a Suica?
A decisao nao e tao dificil assim: eu gosto das montanhas, da praia, da Espanha e dos ciclistas espanhois.
Onde eles estao, meu Jesus?
Acordo de ressaca no dia 25, e as 11 da manha estou pegando um trem que me leva na direcao dos Pireneus.

***

Existe uma rota de bicicleta famosa aqui na Espanha que se chama Transpirenaica. Ela comeca na costa Brava, perto de Barcelona, e termina em Hendaye, Pais Basco, atravessando o norte do pais. Toda a regiao e parque de diversao dos ciclistas fortes, a galera que tem as pernas magrelas de montanhista. Os Pireneus sao uma especie de mistica do ciclismo mundial - "ah, eu fiz os Pireneus...": essa e uma daquelas coisas que voce pode dizer naqueles momentos de querer ser gatinho na mesa de ciclistas.
Eu nao tenho a pretensao de pedalar extensivamente nos Pireneus. Guardo o projeto dentro de mim: o objetivo do ano que vem e fazer a Transpirenaica toda e depois continuar ate Santiago pelo caminho do norte, porque afinal de contas eu ando pretensiosa. Esse ano o que eu quero e chegar na bordinha, nos pre-Pireneus, na regiao vulcanica que esta em torno de Olot. Para chegar ali eu tenho que cruzar umas montanhinhas, mas quando as pernocas gritarem o socorro eu vou pra pra praia de novo, subindo a Costa Brava e entrando na Riviera Francesa, depois rumo a Genebra.

***

Estou sozinha. Estou sozinha nas montanhas. Estou sozinha nas montanhas de um parque natural catalao onde nao ha ninguem. Estou sozinha nas montanhas do Parc Natural del Montseny, nao tem ninguem e eu comeco a ter tontura, nausea e taquicardia. E oficial: estou com mal de montanha, ne?
Vou pedalando e parando. Pedalando e parando. Pedalando e parando pra respirar.
Olho pra baixo e tenho vertigem, mas e tao lindo que nao consigo parar de olhar.
Tres horas e meia, vinte e cinco quilometros depois, estou no alto da Serra de Montseny. Nunca subi tao alto assim. Nunca pedalei tao dificil assim. Estou feliz de estar fazendo o caminho que eu inventei, e vou descendo ouvindo minha musica preferida dos ultimos tempos e, que sendo do Spiritualized, e ao mesmo tempo uma porrada na cara e uma oracao gospel style: 

baby when you gotta sleep, lay your head down low. Don't let the world lay heavy on your soul. 'Cause when you gotta sleep, you gotta sleep. Cool waves wash over me: cool water running free. Lay your sweet hand on me - 'cause I love you, love you

Chego no pueblo seguinte e estou tao cansada que nao consigo pedalar ate o camping. Nunca me aconteceu isso na vida.  Desco e agora estou carregando a bike montanha acima, quando uma van para pra falar comigo.  O senhor catalao: te ves tan cansada! Entra que te llevo!
Dois quilometros depois estou na barraca. Ah, Espanha, cada dia eu te amo mais.

***

O dia seguinte e assim: uma estrada que baixa. 40km no que e provavelmente o lugar mais bonito onde ja pedalei: so ciclistas, e de um lado, a montanha; de outro, um canion esculpido pelas lavas de um vulcao, e onde hoje esta um rio.
Pedalar na encosta da montanha sentindo o cheiro e o barulho da agua? So fazendo pra saber.
Estou feliz, tao feliz por dentro.
Esse lugar foi o lugar que eu escolhi.
Esse lugar sou um pouco o que existe dentro de mim - a montanha, o ciclismo, a aversao ao turismo massivo.
Declaro meu amor, hoje, as montanhas da Catalunha, o lugar mais bonito onde estive nesta viagem.

#46. Diarios de bicicleta: all is full of love


21-23 de julho em Porto
23-24 de julho em Barcelona


:love

Eu e Judi estamos em Porto esperando pelo dia 23, que e quando nossos voos nos levam embora. Estou ansiosa, nao gosto de estar muito tempo no mesmo lugar. Minha bicicleta esta consertando, estamos a pe, e na tarde do dia 22 pegamos o busao ate os outskirts da cidade pra pedir caixas de papelao a grandes lojas de departamentos. Nope - IKEA e Decathlon dao o desole, aqui as pessoas reciclam as caixas, tchau, boa sorte. No pasa nada, tudo tem que estar empacotado dentro de seis horas de um jeito ou de outro, entao aqui estamos nos, desfilando no lixo do IKEA e roubando uns papeloes esquecidos. (cicloturismo nao e glamour). Uma fita autocolante, uma noite sem dormir, a bike inteira desmontada, amarrada, esvaziada, desgracada em sua nudez de pedacos espalhados no saguao principal do hostel enquanto todos os hospedes estao dormindo. Assim nasce a caixa tosquissima que esta abrindo por todos os lados e que com a qual eu deixo escada abaixo no hostel as 3 e meia da manha. O taxi pra me levar pro aeroporto esta esperando.
Ops... como nenhum taxi queria levar a bike, liguei pra esse so dizendo que teria uma caixinha em vez da mala. Ele esta bravo, mas vamos la, companheiro, abaixa o banco de tras, we can work it out. Foi. (e por isso que eu gosto tanto da Espanha ).Coloco a caixa no taxi, estou sem dormir e com fome mas estranhamente nao estou irritada. Life goes on, temos mesmo pouco controle sobre as coisas, e se uma coisa eu aprendi nessa viagem foi justamente isso - que tudo pode acontecer a qualquer momento.
Abraco a Judi, minha companheira de viagem nos ultimos 10 dias. Nao consigo encontrar nada pra dizer. Olho pra ela e acho que ela sabe disso tambem. Nada, nada pode dizer o que ja foi vivido; nao existe nenhum lugar textual que exprima o que so tem lugar no que ja foi e nao existe mais - como a construcao conjunta desta caixa horrorosa, por exemplo.
Judi e minha companheira e minha cumplice. Minhas reverencias, babe; so nos duas sabemos o que vivemos juntas.

***

Chego em Barcelona pra ficar na casa da Ju e do Michel por duas noites. Sao 10:30 da manha, a Ju esta na yoga e estou esperando por ela na escada, dormindo abracada na minha caixa querida. Claro que estou fedorenta, virada, engraxada e suada no calor de 40 graus que faz nessa cidade. A Ju sacou tudo, me da um beijo, dois quilos de comida e ja enfia minhas roupas imundas na maquina de lavar. Nos dois dias que passo ali ela encara sorrindo uns programas bucha em lojas de bici. Vai no correio pra enviar peso extra comigo. Ouve minhas descobertas sobre bicicleta, mulheres, iogurte e o ph vaginal. Prepara comida vegetariana e topa passear por Barcelona comigo em bicicleta, porque, meus amigos, eu realmente nao topo esse negocio de city tour em metro nunca mais. De noite o Michel chega do trabalho, coloca um sonzao maravilhoso pra tocar bem alto e vai me mostrando as fotos dele e os livros de fotografia que ele tem na estante. Na vespera da minha partida chegam dois amigos pra passar uns dias em Barcelona, e os cinco bebemos, conversamos, ligamos de Skype pra outros amigos em comum que moram em Nova York, falamos de bicicleta - claro - e do terremoto em Fukushima.
Parece ate que eles sao todos cicloturistas tambem, porque entendem direitinho, sem eu ter que dizer nada,  que tudo que eu preciso e uma tonelada de comida sem carne, sensacao de casinha e amigos, roupa limpa, o sentimento de que existe um lugar no mundo pra onde eu sempre posso voltar. Penso e concluo: amizade e isto - uma casa onde a gente sempre tem um cantinho.
Namaste, Ju.

***

No meanwhile, claro, eu tambem me apaixonei por um ciclista.
E ele, que ja foi pra casa em alguma parte do mundo, liga todo dia de manha e de noite pra mandar as buenas vibras, me pergunta coisas da bici e faz declaracoes de amor ciclisticas - ta comendo bastante macarrao, meu amor? Ah, se furar o pneu eu pego um aviao na hora pra consertar pra voce, minha brasileira...

***
Assim e que eu, eu nao tenho casa, mas tenho uma tonelada de amor em volta de mim.
Entao passo no El Corte Ingles e compro dois mapas de escala boa. O primeiro, Barcelona e Arredores+Pireneus Orientais. O segundo, Costa Brava Espanhola.
Amanha saio pra estrada. Agora nao tem rota pre-definida, agora nao tem "destino final: Santiago".
Agora quem escolhe o caminho pra chegar na Suica sou eu.

.



domingo, 21 de julho de 2013

#45. Diários de bicicleta/The bike diaries: dance your dreams

And then take yourself out dancing, to a club where no one knows you, stand on the outside of the floor until the lights convince you more and more and the music shows you. Dance like no one’s watching because they’re probably not. And if they are, assume it is with best human intentions. The way bodies move genuinely to beats, is after all, gorgeous and affecting. Dance until you’re sweating. And beads of perspiration remind you of life’s best things, down your back, like a book of blessings. (Tanya Davis, "How to be alone")

Era um dos dias de neve na Suíça, e eu assistia no meu quarto o pequenininho How to be alone enrolada no meu cobertor xadrez
E tem essa hora em que a menina esquisita do vídeo começa a dançar sozinha, vestido preto e óculinhos, linda, uma espécie de Mariana do outro lado mundo.
Embaixo do cobertor, então, eu adiciono um item a mais à minha lista de pequenos sonhos cotidianos.
: um dia eu vou estar tão feliz, mas tão feliz, que vou me dar de presente um vôo livre na pista de dança de algum lugar desconhecido do planeta. e neste dia em que o mundo fora de mim estará invisível, neste dia eu quero dançar mais ou menos igual aquela menina, dancing my dreams, o dentro virado do avesso, colonizando todos os pontinhos do universo à minha volta com o meu império interior.

***

Então ontem saímos para a noite de Porto - eu, Judi, os amigos belgas. Um complexo de 4 ruas, dois milhões de bares e clubes com todos os tipos de músicas possíveis e imagináveis. Uma, duas, três cervejas. Uma, duas, três da manhã, e a gente entra num bar de hip hop.
Não quero sair daqui.
Mas são quatro da manhã, o bar fechou. Judi e o belga querem dar mais uma volta. Eu não, eu quero ficar sozinha.  Tchau. O belga está preocupado, "don't worry, I'm ok!", eu respondo sorrindo. A Judi é minha companheira linda e já entendeu que eu estou pedalando uma montanha em pensamento. Dobro a esquina e entro num club lotado.
São 4:15 da manhã e está tocando punk rock. Eu estou feliz. Home, sweet rockn'roll home.

Então eu danço. E rola um monte de old punk rock misturado com um pouco de indie moderninho. Quando começa Blondie eu tenho vontade de chorar nesse meu único vestido florido e havaianas que estou vestindo há um mês. Estou pulando da maneira mais ridícula no meio da pista, e nem sei quem está do meu lado. Só danço, danço, danço, e já tem um tempão que estou assim quando parece que todos os homens do mundo vêm pegar na minha cintura, falar sei lá o que no meu ouvido, me puxar pra dançar. Nunca fiz tanto sucesso como hoje, com esta roupa bizarra e essa total ausência de batonzinho.
Não, hoje não. E resisto até ao homem barbudo mais lindo do mundo, que de camisa xadrez vem falar uma coisa que não entendo no meu ouvido. Nope. Nem mesmo você, gatinho.

Percebo um cara mais velho que eu, uns 40 anos, dançando com os bracinhos quando começa a tocar I fought the law, e nos cumprimentamos com o olhar. Sim, entendi. Você também é do rockn'roll, né? E a gente passa dançando perto a noite inteira sem trocar uma palavra. Os meninos continuam me puxando, mas agora eu nem abro o olho pra falar que não. De vez em quando levanto a cabeça só pra encontrar o olhar do meu vizinho punk. E quando toca Sound and Vision a gente se abraça, "I love it, I love it", "I know!!!!! Low's my favorite too!!!!!!!"
Não sei nada desse cara. Só que ele adora o Bowie de verdade.
 
É a última música. A luz acende, e eu abro espaço até a porta entre aquele monte de meninos da pista que ainda está atrás de mim. Eu realmente devo ser a pessoa mais bizarra desta cidade. Esta é a única explicação que consigo encontrar pro meu sucesso inesperado.
Encontro Porto ensolarada do lado de fora. São oito e meia da manhã e eu paro pra tomar um café com leite sozinha na padaria, celebrando melhor noite de rockn'roll da minha vida.


 *How to be alone

* Bowinho do meu coração 

sábado, 20 de julho de 2013

#44. Diários de bicicleta: a perfeição da natureza

14-19 de julho/2013, 280km de Santiago de Compostela até Porto

Somos eu e Judi agora na estrada. Estamos pedalando uma das rotas de peregrinação a Santiago no sentido contrário. À medida que vamos descendo o Caminho Português em direção à fronteira encontramos peregrinos com mochilão indo ao lugar que a gente deixou. Vou baixando, baixando, e Santiago vai se dissolvendo. A memória do Caminho    essa pedrinha de açúcar eu jogo agora na água     spluft        desapareceu.  Sem querer essa viagem já faz parte de mim, se perdeu em algum lugar que é precisamente eu mesma. 

Começa agora uma espécie de mini-viagem depois da viagem. A sensação é esquisita, porque é frouxa:
- Eu e Judi não buscamos nenhum destino final de peregrinação.
- Não temos prazo pra chegar, não temos acomodação em nenhuma das cidades do percurso, não temos nenhum mapa.
- Somos duas mulheres na estrada.
- Temos uma barraca pra duas pessoas.
E qual é nosso objetivo?
Praia, sol, cerveja e coisas interessante de toda sorte. Em quantidades estratosféricas, se possível.

Vamos devagarzinho. Quando a Judi vai na frente, olho pra ela e depois de uns dois dias percebo impressionada que todas - e quero dizer isso mesmo, TODAS - as pessoas por quem ela passa param para assisti-la desfilar em bicicleta. É realmente um dominó de cabecinhas espanholas e portuguesas girando na direção da minha companheira de pedal.
A Judi não é só mulher, mas é mulher, e negra, e ciclista, num mundo dominado só, e exclusivamente, por meninos branquelos europeus. Me dou conta que estou pedalando há um mês e nunca encontrei nenhum ciclista negro. Mulher sozinha, só a Judi. E eu. E sabe o que? Temos a mesma bicicleta.
Não é à toa que as pessoas estão sempre gravitando em torno da gente.
Power to the people.
Sinto que somos as mulheres mais lindas e poderosas do planeta Terra.

Eu e Judi, o trem das mulheres segue lentamente, parando em praias e pegando ferrys para parques nacionais espanhóis. Além da alegria geral de estar nos lugares mais lindos do mundo, sou sortuda porque estou virando profissional da bicicleta. A Judi já está pedalando há sete meses - Brasil, Peru, Bolívia, Argentina, Uruguai e Espanha (!) - e me ensina tudo sobre cicloturismo. De alimentação pra mulheres a mecânica de bike, de dor de barriga na estrada a empacotar os alforges, até a difícil questão do ciclo menstrual e ciclismo... Estou tendo o melhor curso prático do mundo.
-" Thanks, Judi. Again!"
- "No worries! I'm happy that I'm putting a smarter cyclist on the road!".
Com a Judi estou sempre rodeada de mecânicos de bicicletas, ciclistas da comunidade ciclística, sempre informada de onde está rolando Massa Crítica, assistindo vídeos de pessoas que estão dando a volta ao mundo e que ela encontrou por aí...
E, Deus que me perdoe, esse é o esporte dos sonhos. Um monte de meninos legais, mochileiros e lindos.
É um batizado. De visitante, agora sou mais uma habitante do Maravilhoso Mundo de Cycleland. Sinto que sem querer encontrei um lugar no mundo.
Adoro estar perto de outra mulher como eu, com projetos parecidos com os meus, que adora ser mulher, e que adora desafiar as caretices sobre o que é esperado de nós mulheres.
Sou a pessoa mais feliz que existe porque entro no mundo do ciclismo através de uma mulher.
Namastê, Universo.

A natureza, a bicicleta e a Judi aliviam minha saudade do passado. Estou de volta ao presente, graças a Deus. E de recompensa, a inspiração: comprei minha passaginha. Dia 23 de julho chego em Barcelona, e daí continuo pedalando mais 25 dias até Genebra. Judi segue até Barcelona comigo, mas de lá nos separamos.
Por enquanto a gente continua aqui, em Porto, fazendo nada.
Claro, com dois belgas que, vendo a gente chegando cheias de graxa na cara, passam o dia perguntando e anotando nossas dicas sobre Santiago enquanto pedem mais uma garrafinha de cerveja pra gente.
Power to the people.



*Foto da Judi enquanto pegávamos o barco em direção às Ilhas Ciés, no Parque Nacional das Rias Baixas, Espanha


* Ilhas Ciés, no Parque Nacional das Rias Baixas, Espanha


* Nossa casa em Caminha, Portugal


* Glamour zero: esse é meu bronzeadinho ciclista-caminhoneiro-shortinho, enquanto deito na mesma toalha que vou usar pra tomar banho mais à noite. Mas a praia em Caminha estava linda.







sexta-feira, 19 de julho de 2013

#43. Diários de bicicleta/The bicycle diaries: Nuevos Caminos

(English version below)

Saw you at a party
You asked me to dance
Said music was great for dancing
I don't really dance much
But this time I did
And I was glad that I did this time

And the song said "Let's be happy"
I was happy
It never made me happy before
And the song said "Don't be lonely"
It makes me lonely
I hear it and I'm lonely more and more

Where I belong, where I belong (Yo La Tengo, "Last Days of Disco")


Percebo agora que o Caminho não é só chegar. É saber como partir.
Nada é pra mim mais difícil que isso.

Estive em Santiago por três dias inteiros. Um coração levinho. O tempo não existe. Aqui estou eu, nessa cidade linda, dormindo numa cama digna de novo, e todo dia eu saio escondida caminhando sozinha pra assistir os peregrinos que chegam da à catedral. Sento e assisto. Gosto de ver todo mundo feliz. Eu sei como é, eu sou dentro da sua alegria, você esteve e é dentro da minha.
Depois de 2 anos de inverno suíço, nesta viagem eu tive que reaprender de novo como encostar em gente. E nos meus últimos dias no Caminho de Santiago eu literalmente beijei todo mundo que apareceu pela frente, todos os ciclistas foram religiosamente abraçados e esmagados por mim, "eu te amo" pra geral nos albergues, lágrimas de amor para todos os bikers, e meu inglês, meu francês e meu espanhol macarrônicos nunca estiveram melhores. Não tenho mais medo de nada, e inflo com orgulho meu peito de pessoa bizarra, emocional e pegajosa. (Não existe no mundo nenhuma palavra que expresse minha gratidão eterna à Espanha por ter me curado do coração gelado que eu cultivei em Genebra). Não quero estar em nenhum outro lugar. Quero que tudo pare, e quero viver pra sempre aqui, dentro deste segundo que é o momento em que eu cheguei em Santiago.
Até que chega o dia em que meus amigos bombeiros das Canárias têm que ir pra casa.
Insuportável. Nem eu mesma me aguento hoje. Estou chata, triste, coração partido, me sentindo traída, com vontade de morrer, olhando o relógio a cada 15 minutos. Ligo assim que o avião deles chega em Tenerife, desesperada, simplesmente pra descobrir que escutar a voz dos dois me deixa mais deprimida.
Não consigo dormir. Não consigo ficar acordada. A cerveja me dá enjôo e vontade de chorar.
Porque foram esses meninos  que me enfiaram contra a vontade todos os dias nos rios mais gelados do mundo e fizeram meu joelho sarar. David pedalou montanha acima lado a lado comigo, falando das Canárias e da vida, e foi com ele que eu cheguei nos lugares mais altos do Caminho de Santiago. A gente comeu polvo à galega e bebeu vinho, eles me fizeram rir, me ensinaram a limpar a bicicleta de manhã, encararam hostel trash, e eles me viram na minha mais alta fedentina e engraxamento ciclístico sem nunca deixarem de me amar. Aliás: sempre falaram que eu e Judi éramos as ciclistas mais lindas do mundo.
Agora eles foram embora e eu não sei quando e se vou encontrá-los de novo. Não sei o que fazer. Não tem mais Santiago, estou perdida, abro o mapa-múndi e não consigo escolher o meu próximo destino ciclístico no planeta Terra.
Olho pra Judi, devo estar com aquela cara de cachorro abandonado na chuva, e pergunto se posso acompanhá-la até Porto. A ideia é matar tempo em 250km light e esperar a inspiração de nosso Senhor Jesus Cristo. Se ele ajudar, chegando em Porto eu já vou ter decidido e comprado uma passagem de avião.

Somos agora apenas eu e Judi on the road. Não sei como é pra ela, mas eu nunca me senti mais sozinha.


*Nós 4 em Cycleland, prontos pra sair e pegar as montanhas
-----------------

Saw you at a party
You asked me to dance
Said music was great for dancing
I don't really dance much
But this time I did
And I was glad that I did this time

And the song said "Let's be happy"
I was happy
It never made me happy before
And the song said "Don't be lonely"
It makes me lonely
I hear it and I'm lonely more and more

Where I belong, where I belong (Yo La Tengo, "Last Days of Disco")


I realize now that it is not only about heading all the way to Santiago. It is also about learning how to let it go.

We were in Santiago for three days, and in these three days my heart was nothing but joy. Timelesness. Here I am, sleeping in a proper bed, resting, and every single day I walk by myself to the cathedral to watch the pilgrims who are arriving. "I've been there", and I feel part of their happiness, I am inside their contentment, they are inside of mine. Music, friends and sun... After 2 years of cold, long winters, I had to learn again how to touch people, and in this camino I kissed literally everyone of the cyclists I met. I told everyone that I loved them, I hug, and kiss everybody again, and my English is perfect, I do speak French and Spanish, I stopped being afraid of staying close and being the crazy emotional person I am. (Thanks, Spain, you definetely fixed me!) I want nothing but that. I want to stop time      now          and live eternally inside this very one second when I first got my feet in that city.
But it came the day when our firefighter friends from the Canarian Islands had to leave back home.
I suddenly became hopeless. Jesus, what a miserable day. Broken-hearted. Betrayed. Time now is fucking slow and I call them as soon as I realize their plane landed in Tenerife. I regret right away: hearing their voices makes me even more depressed. Nothing can do with my grief.
These guys were the ones who forced me into the ice-cold rivers and helped me to fix my knee. David was riding by my side in the last two days of the camino, the two of us up the worst mountains, and he was the one who shared with me the pleasure of arriving up there. We ate octopus and drank wine, we laughed, we cleaned our bikes in the morning, we struggled with bad and good hostels in our way, they saw me eating like a dinosaur and wearing my worst stinky clothes, but they never ever stopped loving me. We used to split going downhill, but we always knew we would finally get together in the end of each road.
Now they are gone and I don't know when and if I will see them again. I don't know where to go next. I am lost, so I check the world map to choose the next location to bike. Only biking can fix me. But I simply can't make any decision. I can´t find a place in the planet where I felt like cycling.
So I look at Judi with my disgusting, wet-dog-face and ask if I can I follow her 250km into Portugal.
The idea now is to kill some time riding until Porto. There is a main airport in that city. May God help me with inspiration - hopefully I will be able to make a decision and arrive in Porto with a plane ticket to take me and my bike to ride somewhere.
Now it is only me and Judi on the road. I don't know about her, but I have never felt more lonely.


*The four of us in Cycleland, early morning, getting ready to face the mountains




quinta-feira, 11 de julho de 2013

#42. Diarios de Bicicleta/The bike diaries> Random Access to Memories

{English version below}

Santiago de Compostela
27 dias, 2010km em bicicleta

Cansada, tao cansada. Minha perna doi, meu Jesus, mas pelo menos meus joelhos estao bem.
E se voce me der uma cama e meio quilo de macarrao eu ja fico feliz.

Chegar no fim da peregrinacao e uma sensacao tao forte e tao pessoal que eu nao me atrevo a descreve/la aqui no blog. O unico jeito de saber e vindo pra ca.

Sem ilusoes. E bem trash ser cicloturista e vegetariana. Carreguei 1kg de whey protein por 2000km, e alem de pesada, ela fede, e feia e tem gosto do mais puro mal me quer. Mudei minha dieta e comecei a comer frutos do mar na Espanha, porque tenho arrepios so de pensar em enfiar um monte de porcaria processada no meu corpo todoos os dias.
Mas nao vem sem custo.  Fico triste de saber que estou comendo polvo, camarao e lula numa viagem que tem um que de espiritual. Saudades das minhas lentilhas queridinhas.

A melhor novidade da viagem foi que o Daft Punk lancou um disco maravilhoso com um hit que pegou geral na Europa. Em vez de entrar no mercado e ouvir Ai Se Eu Te Pego, em todo lugar que eu estou ta rolando Get Lucky. Melhor do que isso e impossivel.

Meu coracaozinho hipster chorou quando eu quebrei os meus lindos Ray Bans. Por outro lado, meu coracao ciclista deu um sorrisao no dia que eu adquiri meu primeiro par de oculos esportivos. Eles sao lindos, laranjas, confortaveis, diminuem a irritacao no meu olho. So que eu me sinto tao ridicula neles que nao me atrevo a olhar no espelho.
Voce pode sair do hipster world, mas ele nunca sai direito de voce.

Como diz a Judi, meus dias de gatinha ja se foram ha seculos. Bronzeado bermuda e camisetinha na alta, unhas sem esmalte ha dois seculos, e os meus cabelos... sem comentarios. Pra nao dizer nada da sobrancelha e do cheirinho das roupas de ciclista lavadas com xampu.
Mariana, mas pode me chamar de caminhoneira da bike, baby.

Mas nada, nada paga o que a bike faz pelo seu corpinho.
O paraiso e este lugar onde voce perde peso continuamente comendo 4000 calorias por dia.
Bicicleta querida, e por essa e por outras que eu nunca vou deixar de te amar.



Santiago de Compostela
27 days, 2010km on my bike 
I feel tired. I feel so tired. My legs hurt, but my knees are ok.
Give me a bed and 600g of pasta and I am fine.
Living and being happy has never been so simple.

The arrival at a pilgrimage site is such a strong and personal feeling that I don't dare to describe it in my blog. You should try it out yourself.

Not easy to be a vegetarian bike tourer. I carried 1kg of whey protein all the way, and it is heavy, it looks bad, smells bad and specially tastes horrible. I decided to eat seafood in Spain, for the idea of having processed, industrialized protein every single day simply terrified me.
Yet it is not painless. Everytime I think I am eating a cute octopus I feel sad. But the idea of coming back to my chocolate protein makes me feel worse, so I keep carrying on my octopus diet.

My hipster heart broke when I lost my Ray Ban sunglasses. My cyclist heart smiled when I got sporty, orange sunglasses made for cycling.
They are comfortable, they look professional, but I can't stare at mirrors without finding myself the most ridiculous creature on Earth.

Thanks God the Daft Punk has released a great album just before I started my trip. Instead of Ai Se Eu Te Pego, I have Get Lucky playing in every corner. It can't get any better than that.

As my friend Judi puts it, my modelling career is over. I have a funny, cyclist suntan. Don't remember the last time I put on nail polish. My hair is... well, whatever. Let alone shaving and smelling good. Call me bicycle monster, babe.

But... Nothing is better than cycling when it comes to your body. I eat like a monster and don't stop losing weight. God bless my bicycle ride.


terça-feira, 9 de julho de 2013

#41. Diários de bicicleta: dias 10 e 11/The bike diaries: days 10 and 12

[English version below]

Nothing ever stays the same. Nothing´s explained. The higher we go, the longer we fly. Cause this is it for all we know. So say good night to me. Lose no more time - no time - resisting the flow. ['Ohm', Yo la Tengo ]

Dois dias viajando com Judy e os dois bombeiros lindos.
Enfrentamos a etapa mais dura do caminho, montanha tenebrosas, e normalmente eu chego em casa dormindo em pe.
Gosto dos meus companheiros. As vezes nos perdemos nas descidas, mas sem querer nos encontramos 20km depois. Estamos todos por nos mesmos, e em dois dias nos separamos. Existe uma tristeza e um compromisso de liberdade nisso, e por isso nao fazemos planos. Eu gosto disso aqui. E percebo que na vida, tambem.
E um eterno estado de graca, e as vezes sinto que o tempo nao existe. Que nada existe. Que a vida nao passa disso, de um caminho.

Estou a um dia de Santiago e meu coraçao nunca esteve mais leve.
Nao tenho mais medo das montanhas, e agora rezo pra encontrar umas subidinhas.
Nao tenho vontade de matar as pessoas.
Meu joelho se recuperou com banhos diários nos rios mais gelados do mundo.
Conheci tanta gente interessante que parece que 11 dias foram 11 anos. E com meus últimos amigos do caminho aprendi coisas importantes, como: é preciso pedalar sem calcinha/cueca, senao rolam assaduras; o mais importante nao e pedalar 100km por dia, mas sim parar pra enfiar o joelho no rio e beber cerveja, e rir, e dormir na grama; um dia de descanso a cada 7 é essencial, mesmo que voce nao saiba.
Parei de fumar.

E como nao sei o que fazer, e como ja nao tenho casa em lugar nenhum, e como sinto que a unica coisa que consigo fazer agora e andar de bicicleta, decidi que vou continuar pedalando.
Sigo pela costa de Portugal até Lisboa. Mais 1000km mais 15 dias. Depois, quem sabe, pego um aviao pra Berlim e faço mais uma viagem pelo Alemanha.
A diferenca e que agora passa uma coisa diferente. Nao quero pedalar pra resolver nada, nem pra aprender cicloturismo, nem pra explorar o mundo, e nao sinto mesmo que tenho mais que aprender a fazer cicloturismo. Isso eu ja sei, e do meu jeito.
Agora eu me sinto vazia.
Quero pedalar por mim mesma.

Acabam aqui, portanto, os diários de bicicleta da minha viagem pra Santiago. Hora de começar novas histórias.




---

Nothing ever stays the same. Nothing´s explained. The higher we go, the longer we fly. Cause this is it for all we know. So say good night to me. Lose no more time - no time - resisting the flow. ['Ohm', Yo la Tengo ]

I´m a day away from Santiago and my heart has never been that light in my entire life.
I´m not afraid of the mountains anymore.
I´m not tired of people anymore.
My knees got better with daily baths in the cold rivers of Galicia.
I don´t remember having met so many interesting people in such a short amount of time... 11 days were worth more than eleven years. My new friends have taught me so much...: you should not ride wearing underwear, 100km a day should not be a goal, you should rest every 7 days or so.
I quit smoking for good. I don´t change my love for mountains for any cigarette in the world.

As I have no home, and as I don´t know what to do, I will keep cycling. I will follow the coast of Portugal, at least 1000km more. After that, I might cycle in Germany. starting from Berlin.
Now I´m not cycling to find out about myself or to sort out my stuff. I am not cycling for the adventure, and I don´t feel I need to learn something.
I´m just cycling by myself.
That´s the end of these bycicle diaries about my journey to Santiago de Compostela. Time to start writing new stories.


domingo, 7 de julho de 2013

#40. Diários de bicicleta, dia 9: welcome to Cycleland

[English version below]
Dia 9
 Rabanal del Camino-Vega del Alcarce, 60km montanhas e, banhos gelados no rio e bombeiros de shortinho
Hoje eu acordei no maravilhoso mundo das bicicletas. O albergue está lotado, e enquanto eu sento no balcao para tomar meu café da manha acabo assistindo a cena mais linda de todos os tempo: uma dezena de ciclistas lavando suas bicis, colocando óleo na corrente, ajustando os freios.
Tenho que admitir que neste ponto da viagem já descobri que nao tenho a mínima paciencia para os peregrinos que vêm fazer o caminho de Santiago de Compostela a pé. Os caminhantes estao sempre meio obcecados com El Camino, como se ele fosse algo exterior, e nao uma metáfora pro caminho de dentro. Contam quilômetros, fazem observaçoes hippies sobre viagens interiores... Xaropices. Nao consideram os ciclistas como verdadeiros peregrinos. Eu chego no albergue no fim da tarde podre de cansada, fedorenta, querendo um chuveiro e 800g de macarrao com ovo e eles estao lá, plácidos, cara de vaca no pasto, lendo um livrinho e viajando nos seus diários místicos. Acordam às 5:30 e saem às 6, no máximo. Ah, nao!: é muita caretice, sao princípios demais pra mim.
Os ciclistas nao. Estes aí que estao na minha frente tao na onda boa, rindo, montando os alforges, morrendo de medo das etapas de montanha que comecam hoje.
Acho lindo.
Me sinto em casa com eles, e prometo pra mim mesma que vou entrar num grupo de ciclistas assim que voltar pra casa, onde quer que a minha casa seja no próximo ano, seja lá quando eu volte.

Você sabe que o dia vai ser bom quando você olha no relógio, sao 8 da manha e voce ja está subindo a montanha com um bombeiro lindo espanhol e bronzeado que vive nas Canárias.
Fica melhor ainda quando você saca que pedala tao rápido quanto ele, e que é muito mais rápida que todos os amigos gatinhos dele que ficaram pra trás.
Mas ele chega no ponto do definitivamente maravilhoso quando você esta, Judy vindo atrás com o outro colega bombeiro, vocês encontram um frio gelado e se enfiam dentro pra desinflamar a musculatura e continuar seguindo a segunda metade do dia. No fim do dia vocês estao num hostel juntos, e alem de voces nao ha mais ninguem.
Entao aqui estou eu, em Cycleland, com uma amiga americana da minha idade que esta pedalando pela America do Sul e Europa há sete meses, dois bombeiros espanhóis lindos, jantando num hostel da Espanha que me custou nada mais que 5 euros, e tomando um vinho igualmente barato.
É o que eu tenho para hoje, meus amigos.

----
Day 9
  Rabanal del Camino-Vega del Alcarce, 60km


Today I woke up in cycle land. The hostel is full, and as I sit by the counter to fix myself some breakfast at 7 a.m.I see they are all there: a dozen of cyclists cleaning their bikes, oiling their chains, repairing their brakes.
I have to say I that by now I found out I´m really not into the pilgrims that come to make their way to Santiago on their feet. The walkers are usually absorbed in their hippie view of the path, obsessed with El Camino as if it was outside them, instead of a metaphor to an inner path. You usually arrive at the hostels from a hard bike ride, tired, smelly, crazy for a shower and a HUGE amount of pasta and the hikers are peacefully reading and writing their diaries over a cup of tea. Too uptight, way too many principles: they´re usually up at 5.30 a.m. and gone at 6a.m. tops.
The cyclists I see in front of me, on the other hand, are just having fun and laughing, freaking out about today and tomorrow. They know the hard days in the mountains are just beginning.
I find it beautiful.
I feel I finally found my group here.
I feel definitely home and I promise I will join a cycling group whenever I get home, and wherever my home happens to be.
And God!, they´re really fucking good-looking in these tight shorts.


You know it´s going to be a great day when you look at your watch, it´s 8 o´clock in the morning and you´re riding up the mountain with a cute Spanish firefighter suntanned from the Canarias.
It´s even better when you ride as fast as him and faster than all the others, and then you realize you´re as strong in the bike as a good-looking fireman.
But it gets truly amazing when you´re coming donwhill with him, Judy and his friend behind, and you all hit a cold river, put on your swim swits and face the horrible cold water to recover your muscular strength and get going. Coming out of the river, you decide to book a hostel together, and as you get at 7 p.m. there you are the only ones in the place.

Today I´m stuck in middle-of.nowhere Cycleland with an American woman my age who´s been cycling in South America and Europe for 7 months now + two firemen from the Canarias, in a hostel in sunny Spain that costs me 5 euros a night. we had amazing food and a bottle of wine for equally nothing.
That´s all I have to say for the moment.

sábado, 6 de julho de 2013

#39.Diários de bicicleta, dia 8/The bike diaries, day 8: Fuck the pain away

[English version below]
Dia 8/Day 8
 Léon-Rabanal del Camino, 60km

 Onda de calor na Espanha. Pedalo 60km em 6 horas. A bicicleta nao vai pra frente porque o asfalto está literalmente derretendo.

Sigo os rappers, paramos e eles cozinham tortilla. Ah!, como eu amo a Espanha. No caminho pesco Judy, uma New York do Harlem ques está viajando de bicicleta há seis meses.

Descubro uma rede de albergues pra ciclistas, e quando chego em Rabanal del Camino encontro todos os meus companheiros de duas rodas, bebo cerveja e saio pra olhar o céu cheio de estrelas nesta cidade minuscula.

Fuck the pain away.
----

There´s a wave of heat in Spain now. I cycle 6km in 6 hours and it is so hard, for the asphalt is literally melting down and the bicycle almost does not move.

I go with the rappers, and at some point they stop by to cook some tortillas. God, how I love Spain... In the way I meet Judy, from Harlem, who´s been on a bike ride for 7 months now. God, how I love New York.

By accident I find out a network os hostels designed specially for cyclist. In the hostel at Rabanal del Camino I meet thousand of 2-wheel partners, I´m so happy, I go for a walk in the mountains, stare at stars and feel I never want to leave this place. A beer before going to bed.

Fuck the pain away.


sexta-feira, 5 de julho de 2013

#38. Diários de bicicleta, dia 7: mais rápida que o tempo/The bike diaries, day 7: faster than time

[English version below]
Dia 7
Carrión de los Condes-Léon, 110km, velocidade média de 25km/h

Nao estou interessada em conversar, nem saber de onde você veio, nem em trocar meu português pelo seu francês. O que eu quero hoje é sair daqui e pedalar até a cidade que fica para além do trigal marvado. Questao de sobrevivência.

Entao eu vou. Nem me atrevo na estrada de peregrinos, no ¡buen camino! com os caminhantes.  No poderoso mau humor que estou, minha bad vibe pode espalhar pra geral e todo mundo amanha ainda acaba acordando com tendinitie.  Assim é que eu desvio logo de cara, evito todas as flechas que indicam a trilha e pego a estrada nacional, 110 km planos e entediantes até Léon.

Ah!, gloriosa, objetiva, lisinha, vazia, calorenta e asfaltada N-120... Nunca ninguém te amou tanto como eu te amei hoje.

Pedalo. Pedalo, pedalo, pedalo. E quando minha mente começa a caminhar pelos vales tenebrosos dos meus medos e rancores, aí entao é que eu pedalo mais e mais rápido. Nao me atrevo a descer, a nao ser para pegar água e fazer xixi a cada 20km. O calor está insuportável, mas eu nao sinto nada, minha mente sao as minhas pernas. Como na bike, escuto todo o Abbey Road, ouço três discos do Daft Punk e um do Kraftwerk.

Eu atravesso os espaços vazios como se atravessasse o próprio tempo parado, e às vezes tenho a impressao de que entrei em outra dimensao, que estou sonhando. Ninguem me vê, eu nao vejo ninguém, mas sou de repente uma com a bike, com o presente, com o meu corpo e com minha mente, que agora está aqui, comigo, concentrada neste ùnico lugar e nesse esforço que é existir.

Se você pedala longas distâncias, acho que você conhece essa sensaçao.
Se nao, minha sugestao é que você aproveite que amanha é sabadao e saia pra meditar com sua bike logo de manhazinha.


Chego no albergue em Léon e dois espanhóis do hip-hop - um rapeiro, outro b-boy - se jogam na minha frente pra conversar. Sao ciclistas tambem. Eles sao os maiores sem grana da face da terra e me convidam pro programa mais bucha que pode existir: uma farofa esplêndida. Levando na mao algumas sacolinhas plasticas com frigideira, talheres, pratos e afins, os dois estao saindo pro parque da cidade para cozinhar um pacotinho de peito de frango no fogareiro que eles trazem na bagagem, já que neste albergue aqui nao tem cozinha e eles nao tao afim de gastar dinheiro com o menu peregrinos de 9 euros.

Passo no mercado e compro uma garrafa de vinho de 3 e 50. Sentamos embaixo da árvore e começa a cozinhaçao, fumaça pra todo lado, o frango rolando solto na frigideirinha enquanto eu, vegetariana, assisto e converso morta.-de-fome, um pedaço de pao puro na boca.

Vamos convir aqui comigo: maior reconciliacao com a humanidade do que esta nao há de existir.

****

Day 7
 Carrilón de los Condes-Léon, 110km, average speed 26km/h

 I´m in such a bad mood that I decide the only thing I can do is cycling. I don´t want to see anyone, I don´t want to talk to anyone, I don´t want to ¡buen camino! any of you bloody pilgrims. I'm definitely away from the hikers' path today; I'm in the mood for a paved and objective, road-biker-like, straight forward national road full of cars and nobodies.

My dear, beloved, glorious, boring, flat, Spanish national road number N-120! - nobody has ever loved you more than I did today.

Because I cycled you with all my heart, as if there was no tomorrow, begging you to take me away from the lands of boredom, and every time I felt resentful or sad, and every moment my thoughts wandered in the lands of sorrow (they were so many), then I cycled on your pavement even faster and even stronger, as if my legs could replace my mind, as if my body could anchor me somewhere else, somewhere light, somewhere good. Somewhere present.

So I did not leave my bike except to get water and to find restrooms, and in the 30 degrees of the Spanish summer I went as fast as if I was crossing time itself, and in going on like this for so long and so fast, I felt I became the Way itself, one with the moment, one with the only task of putting my body and my mind in service of the task of existing.



I arrive in Léon and two Spanish, hip hop cyclists jump in front of me. They are broke and don´t want to spend 9 euros in the Pilgrims Menu, so they invite me to go to the main city park. They have a bag with a pack of chicken that they will cook it with their camping tools. I say yes, get ourselves a bottle of wine and follow them and their chicken to the city center.

And here I am, vegetarian, starving, with a piece of plain bread in my mouth, watching these two funny guys as they prepare their chicken under a tree and laughing at their amazing stories about the hip hop scene in Spain.

If that is not my reconciliation with the humankind, then I have no idea about what reconciliation might be.


quinta-feira, 4 de julho de 2013

#37. Diários de bicicleta, dia 6: trigal marvado/The bike diaries, day 6: my heart´s not flat

[English version below ]

Dia 6
Burgos-Carrión de los Condes, 87km, 5 horas na bicicleta, e faz tanto silêncio que eu tenho vontade de gritar


Pedalo pela parte que é considerada a mais difícil para os peregrinos caminhantes. Sao 200 kms planos, plantaçoes de trigo, poucas árvores pra proteger do calor. Faz mais de 30 graus centigrados, solzao no ceu azul sem nuvens. Os caminhantes vao de cabeça baixinha, meio sofridos com a mochila, todo mundo no maior bronze bermudinha e t-shirt.

Quanto a mim, saio voando pelas plantacoes. Meu joelho está na vibe milagroso, nao sinto nenhuma dor. O vento sopra nas minhas costas, vai me empurrando, empurrando. Assisto a onda amarela levando o trigo, estou dentro da plantacao, minhas asas sao o proprio trigo seco e fazem aquele barulhinho fluc fluc fluc fluc.

Pedalo 5 horas sem perceber. Subo a 30km por hora sem nenhum esforço, mas me custa descer, tenho que pedalar forte pra chegar abaixo das encostas. Faz tanto calor que só falta uma daquelas caveiras de boi da caatinga, o asfalto se dissolvendo em miragens de deserto. Estou num filme do David Lynch, penso comigo.

Agora ja nao vejo mais ninguém caminhando, só as ruínas dessas milhares de cidades medievais que ficam por aqui. Pela primeira vez na viagem me sinto sozinha e nao consigo ultrapassar a sensacao. Paro pra comer um sanduiche em algum lugar perto de Castrojeriz, entro na igreja de Nossa Senhora de Manzano e choro, choro, aquele choro de gente entediada e triste sem razao. Saio, encontro dois ciclistas barbudos chegando, digo oi, e eles nem respondem.

Malditos road bikers.

Chego em Carrión-de-los-Condes e me abrigo num mosteiro de freiras. Mais silêncio, e entao tomo a decisao. Amanha vou pedalar desde bem cedinho pra chegar em Léon e sair dessa trigarada. Meu coracao é menos forte que meu joelho; nao nasci pra esse negócio de bonito em lugar-nenhum. Meus dias de Eleanor Rigby are over.

***

Flat ride. Miraculous painfuless knee, and I ride through the flat landscape of wheat plantations.

There's a golden light everywhere, the sun´s high in the sky, and I fly with the wind. 5 hours in the bike, and I don´t see the time passing by. Middle age cities, none´s around, the asphalt dissolving in front of me, and I feel I crossed some some of gateway into a David Lynch's movie.

I feel lonely for the first time since the beginning of my trip. At some point in Castrojeriz I stop by to have a sandwich, enter the church of Nuestra Señora de Manzano and cry for no reason, those tears of the lonely and bored people.

As I reach Carrión de los Condes I make a decision: tomorrow I will ride as fast as I can, all the way towards Léon, away from the golden silent plantations. I can stand a sore knee, but I can´t stand a sore, bored heart. I was not made for flat, plain beautiful, Eleanor Rigby timeless days.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

#36. Diários de bicicleta, dia 5: pequenos milagres/The bike diaries, day 5: on miracles

[English version below}

Eu acordo e vou pedalando pra loja de bicicleta. Se meu joelho esta assim, deve ser algo com a postura na bike, eu penso, na esperanca que um ajuste especializado possa salvar minha pátria.
Meu joelho dói tanto nos 15 minutos de pedal até o centro que sinto vontade de chorar. Tenho medo de nao conseguir continuar a viagem. Tenho certeza que vou ter que comprar um par de tênis e continuar até Santiago caminhando.
O mecânico gatinho nao entende nada do meu problema, mas levanta o banco da bici no maior carinho e diz que eu tenho que ir embora, porque a loja está cheia e ele nao pode ficar perdendo tempo com bobagem. "Ali na frente está o hospital; acho que é pra lá que você tem que ir com seus joelhos assim".
Volto e passo o dia com o Enzo na cidade. Faz um sol maravilhoso, e de vez em quando eu paro num bar, peço um copo de vinho e um saco de gelo pra colocar no joelho.
Vamos no Museu da Evolucao Humana. Estou meio bêbada e tudo parece surreal - o homem-macaco, o paleolítico, a extinçao dos dinassauros, as sinapses cerebrais, a descoberta do fogo. Damos uma caminhada e depois vamos pro terraço ouvir música e tomar mais um vinho.
O Enzo me espera na mesa; eu volto com duas tortillas na mao.
No caminho pra mesa meu joelho faz um click.
Bebo mais meia garrafa de vinho e volto pra casa pedalando.

Nao tenho nenhuma dor.
É como se meu joelho tivesse voltado pro lugar.

****
I can't stand the pain in my knees. As I cycle to a bike store in Burgos I think about where to buy shoes to walk to Santiago. I'm sad and I can barely walk, let alone cycling.
The guy in the store says he can do almost nothing with my bike and points me out the directions to the hospital nearby. I cycle back in pain and wash my bike for 1 euro in the gas station. Funeral feelings.
Enzo is getting back from a public swimming pool and we spend the day walking around the city. We eventually stop for a coffee and I ask for a bag of ice to put on my knees. I´m already drunk when we reach the Museum of Human Evolution, and I have some surreal two hours wandering around, tipsy and learning about dinosaurs, brain sinapses and neanderthals.
It´s already night and we´re in the main square to watch a concert. I walk inside the bar to get a tortilla; Enzo's waiting outside with glasses of wine. I feel a click on my knees and smile inside, then drink half a bottle of wine and come back home cycling.

I have no more pain.
My knee is back to me again.

#35. The bike diaries, day 4 - at peace with Switzerland, negotiating a peace treaty with my right knee

Day 4
Santo Domingo de la Calzada-Burgos, 65km of negotiations with my right knee

I keep meeting this guy since the first moment I arrive in Santo Domingo de la Calzada. He was contemplating the cathedral when I stopped by to ask him where the pilgrims' hostel was located. I check in and right after that I notice he's sleeping in the bed next to me in the common bedroom - there are some 20 of these huge bedrooms with 20 bunkbeds each in this hostel. He's in one of the 4 computers in the digital room when I decide to update my blog. And then I finally cross him as I leave the hostel to my next destination.
It's around 9 a.m. and I'm already on my bike when I decide to leave the hikers' path and to make the right towards the national road to Burgos. Guess who's the only cyclist riding there?
OK, Universe, I got it. Out of all the pilgrims from every corner of the world, I'm stuck here in a bike ride with a Swiss guy. I accept it, but now the hell tell me Why.


I have these mixed feelings about Switzerland. Well, not so mixed: my worst nightmares are those ones in which I picture myself living in this country, winter time, cold Swiss people all around me, never looking me at the eyes, never conceding to touch or speak to me, giving me the worst time as I cross the street in the red lights.
As a matter of fact, I do hate Switzerland.
But Enzo turns my nightmare upside down. We go in and outside the path, the route is difficult, we often have to walk our bikes uphill. Born in the German part of Switzerland, he's from Italian descent. As we ride throughout the Camino he talks about his relatives in Naples and tells me his impressions about his way from Zurich until here.
As we approach Burgos, the pain on my right knee just becomes worse. I look at the signs and we still have some 15km to go. I can't cycle properly, so I go silent and slowly, cycling only with my left leg. The pain only grows stronger, and I'm terrified with the possibility of not being able to finish my trip.
Enzo is very reserved, yet calm and positive. We have lunch, find a hostel and later on he makes me company in my way to a drugstore. He is not desperated, he's trustful and suggests I should stop and have a rest day in Burgos.
He's right. I'm grateful for being surrounded by a sensible & sensitive person. I have an internal surreal dialogue with my body: "ok, I'll give you one day of rest and yoga. If you need more, I promise I will give you more. But can you take me to Santiago?"
I'm yet no sure why, but at last I feel I have made my own peace with Switzerland.


*poor right knee...



*Enzo in his Camino




terça-feira, 2 de julho de 2013

#34. The bike diaries, day 3 - Horse Stories

Day 3
Up in the mountains, light heart, heavy legs

 It´s the 1st of July and everything hurts, so I wake up late and look at the map to choose a route to my next city.
Two options: 1. either I follow the hikers' path in a quite flat and relaxed region...; 2. ... or I go up in the mountains in a hard yet gorgeous landscape.
What the hell.
And I take the road to the mountains. Guess I was not born to the easy ways.


But first I make a stop in the bakery to have breakfast. The cute tatooed waiter is looking at me as I place my order: a machiatto, 2 croissants, a cheese sandwich and one veggie snack, please.
- To eat here or to go?
- To eat here, of course.  And two more sandwichs to go, if it is ok for you.
And he keeps staring at me nonstop as I eat 2000 calories in less than four minutes.


There´s something about heading on a bike into the hard mountains. You follow the road, they stand right in front of you, and you're never sure you're gonna make it through. There's some sort of arrogance going on for you're defying them somehow, but you also need to show some respect for they can crush you easily in no more than two seconds.
As for me, I went all the way up 4 mountains, and more than once I thought I was about to die. I stopped to have water and to breath, no one around, and those for sure were the hardest 20km I have ever done in my life. Going down into the Rioja valleys was gorgeous, and I guess it was so only because I knew what I had to endure to reach 60km/h downhill for more than 20 minutes.
Yesterday I know something of mine was left behind in those mountains, for I arrived in Santo Domingo de la Calzada with a light, very light heart.


I arrive in Santo Domingo and go out to get some bread. In the door of the hostel a guy in weird clothes is just arriving in his horse (!) and asks for a piece of my baguette. I give him some and a banana, and he vanishes. Three hours later he's looking for me in the common area, a lemon in his hands. He gives me the lemon as a gift, lie his head in my thighs and tells me about his life around horses in England. In his highly polished British accent, he then tells me he likes to be around people sometimes, shows me his Swiss knife, asks about me, makes me laugh and cleans my extremely filthy glasses. "I need to leave now", I say, and he replies with a "it's been nice to lie on top of you". Then Dean says he likes me and promises he will write me someday, whenever he gets to a computer in his way to San Sebastian, up north.
Horse stories.










segunda-feira, 1 de julho de 2013

#33. Diários de bicicleta, dia 3 - Horse Stories


Dia 3
Vitoria-Santo Domingo de La Calzada, 65km de montanhas-monstro

 Acordo morta e tudo dói. Faço yoga sozinha no quarto do hostel, e dói minha cervical, dói a parte de trás da minha coxa, dóem meus joelhos. Respiro, respiro, vai, arzinho, prana maravilhoso, vai pro meu corpo e alivia esta dor... Mas é como se minhas pernas pessassem 20kg, como se meu pescoço nao conseguisse segurar minha cabeça, e com muito pesar vou descendo esse corpo escangalhado devagarzinho até a recepçao do hotel.

Abro os mapas para olhar as possibilidades de rotas, e logo me deparo com minhas 2 opçoes. A primeira, seguir pelo caminho dos peregrinos, uma trilha estreitinha entre povoados, passo a passo com os caminhantes. A segunda, pegar algumas estradas secundárias e subir duas cadeias de montanhas, up up up, descendo numa baixada íngrime no final até a regiao de Rioja.

Penso no Antonio e no fazer o próprio caminho, respiro fundo e saio em direcao a Peñancerrada, no caminho para as montanhas.

---
Já sao 10:00 da manha quando consigo parar na padaria. O garçom gatinho tatuado chega no bom dia e me pegunta o que eu vou querer de cafe da manha. Olho pro balcao e escolho meu menu pedreiragem: por favor, meu querido, me de um croissant, um pao com queijo, um desses croissants de chocolate aí do canto, um croquete de verduras e um cafe com leite. Quase consegui ouvir o barulho das palpebras do companheiro ao ouvir o meu pedido, e especialmente ao notar como consegui comer tudo aquilo em menos de 4 minutos. "Ah, e me dê mais dois croquetes pra levar - pode ser?"

E saio com minha barriguinhas satisfeita e minha marmita pela pista da direita. Imediato - a estrada é um veludo e vai direto pra montanha.  Pra um monte delas.  E tem alguma coisa nisso, sabe?, pedalar olhando pra uma serra imensa que voce sabe que vai ter que encarar. O sol forte, vou pedalando devagarzinho. Nao tem ninguem. Subo, subo, subo, tá tudo bem, e chego no alto do Monte Vitoria, 758m de altitude. Beleza. Consegui. Nem foi tao difícil.

Acontece que foi. Porque logo veio a tal da serra da Cantábria, que nao acabava nunca. Subo, paro com a bike, parece que meu coracao vai sair pela boca, tenho medo de ter um treco. Como um chocolate e um croquetinho da marmita. Up we go, chego finalmente em Peñacerrada e encontro um bar aberto, peço uma coca, converso com o garçom. "Ah, menina, voce ainda tem que subir mais...".

Juro que achei que nunca conseguiria, mas fui. E foram os 20km mais dificeis que eu ja fiz na vida. Subi subi subi, parei pra comer o outro croquetinho, terminei meu segundo litro de agua e comecei a descer. A 60km por hora, uma via sinuosa, e embaixo eu via ao vinhedos de Rioja, ao lado as montanhas, o sol batia e eu descia cada vez mais rápido, deixe essa subida pra trás, Mariana, e entendi que só tinha sido bom porque eu tinha subido toda aquela montanha sozinha. Ouvindo a Miss Kittin e descendo, descendo, leaving it all behind, lembrando do e.e. cummings dizendo let it all go - so comes love.

Cheguei em Haro com o coraçao levinho, como se algo tivesse ficado na montanha. Pedi uma garrafa inteira de vinho, que o garcom me deu de graça - "¡la ciclista valiente!" -, comi uma paella, na tv do restaurante passava o terceiro dia do Tour de France e eu estava feliz. Enfiei o resto do vinho numa garrafa de plastico e pedalei ate o albergue em Santo Domingo de la Calzada. Estacionei a bike, deitei no chao e fiquei. Enfiei uma banana na boca e fui mastigando devagarinho, estirada no chao.

Sai pela cidade e comprei uma maquina fotografica baratona, uma baguete e queijo pra fazer o sanduba de amanha. Um cara vestido com roupa de montaria chegava e puxou papo, completamente maluco. Estava chegando de cavalo. Me pediu um pedaco de pao, eu dei, e mais tarde encontrei com ele no refeitorio. Ele me deu um limao de presente, deitou no meu colo e ficou contando que vive so com cavalos na Inglaterra, e que de vez em quando gosta de falar com gente. Ele ficou ali, no sofa, falando sobre cavalos, me mostrando o corta-unha que carregava no bolso, num total nonsense elaborado no mais refinado high-class sotaque britânico. Eu bebi o vinho inteiro e embarquei no mundo dos cavalos do Dean. Que prometeu que vai me escrever assim que encontrar um computador.

Horse stories.


#32. Diários de bicicleta, dia 2 - montanha acima até Vitoria

[English version below]
Dia 2
Beasain-Vitoria, 80km,MONTANHA, valezinhos micro, ciclistas profissionais por todos os lados - mas só no planinho, claro

De pé às 5:50, na estrada às 7, perdida meia hora, na montanha às 7:30.
Ninguém na rua. Morrendo de vontade de tomar um café com leite, meu corpo hoje nao vai a lugar nenhum. Tenho um medo desgraçado, hoje eu nao vou conseguir. Estatégia pare de pensar e pedale, piloto automático, vamos lá, coloca uma música aí no ipod e suba numa relax.
Tento Sigur Rós, mas só me dá melancolia e mais medo. Olho e vejo que lá em cima da montanha está uma neblina incrível. Aqui embaixo já tá chovendo.
Paro, coloco o casaco de chuva, chega. Vamos ouvir o novo do Daft Punk e subir, tenha paciência com seu corpo, Mariana nervosinha. Up we go.

Está uma chuva fininha e a montanha é linda. O asfalto é lisinho, às vezes passam uns carros. Os velhinhos dentro deles cruzam por mim bem devagarinho e dao tchauzinho, riem, as vezes buzinam. Agora é o segundo quilometro de subida e sou eu, a bike e Lose Yourself to Dance; já nao penso em nada e quando vejo estou lá em cima. 7.5km de subida e 655 metros de altura em Otsaurte, um desnivelamento de dar vontade chorar. Tem um café aberto, paro e peço um pingado. Dois ciclistas profissionais vestidinhos com roupinhas colantes e em suas road bikes acabam de chegar; um deles grita para o outro: ¿me quieres matar, hombre? Dois segundos depois eles olham minha bike com os alforges, pagam seus respeitos ao vizinho de mesa que está vestindo umas roupas esportivas e que eles pensam ser o dono da bike, e descem a montanha pelo outro lado. Agora sei como uma mártir anônima se sente.

A descida pra Altsasu é indescritível. Já sao umas 9 da manha, e pego a antiga estrada nacional sem ninguém. Pedalo sozinha olhando as montanhas, vou ouvindo Wilco e pensando na Ritinha. Nao existe nenhum outro lugar no mundo onde eu gostaria de estar agora.

Depois de 50 quilômetros minhas pernas já nao funcionam direito. É plano com algumas subidas, mas meu joelho direito dói, minhas costas estao cansadas. Cruzo muitos, incontáveis pelotoes de ciclistas profissionais. Devo ter encontrado nao mais que 3 mulheres ciclistas no caminho, só uma delas sozinha. Colocando em cima os alforges, deve ser por isso que eu chamo tanta atençao. Os ciclistas passam por mim e as vezes alinham pra perguntar onde eu vou. Encontro um ciclista mais velho que ja fez o caminho, me dá varias dicas e depois continua. ¡Valiente!, escuto aí por todas as partes, minha musiquinha na estrada do segundo dia.

Chego em Vitoria morta, largo as coisas no hostel e procuro um lugar pra comer. Nao existe comida sem carne. Como todas as porcarias fritas possíveis e me contento em passar a fome dos vegetarianos na Espanha. Descolo um kit kat na máquina do hotel, peço um Jack Daniels duplo e umas pedrinhas de gelo pra colocar no joelho e vou pro hostel. Coloco as pernas pra cima e começo a fazer uma massagem perto dos joelhos. Dói, e eu alongo, alongo, alongo...

Acordo umas duas horas depois, dormindo toda torta na cama. Já tinha dormido sem querer lendo um livro, mas dormir alongando é a primeira vez.