domingo, 26 de maio de 2013

#29. Seis meses pedalando na Patagônia

Fazer hiking na Patagônia em 2011 foi uma das melhores coisas que eu fiz na vida, e desde então eu faço meus planos de voltar. Depois de ler este relato de viagem, mais ainda:

sábado, 25 de maio de 2013

#28. Dream a dream with me: 1200 km de bicicleta na França

Começou sem nenhuma pretensão - eu chegava em Genebra em 2011 para o doutorado, e no primeiro mês conheci a amiga de um amigo. Ela, brasileira, tinha vivido em Brasília, estava aqui de passagem por trabalho e gostava de bicicleta.
Eu também gostava, mas estava acostumada a pedalar sozinha.  Nunca gostei da pressão dos pelotões de road bikers, que colocam a cabeça pra baixo pra aumentar a aerodinâmica e pedalam sem parar pra ver que o sol está nascendo atrás do lago. E embora o barulhinho dos quadros de carbono à passagem do pelotão sempre tenha soado como música nos meus ouvidos, e o prazer de pedalar em cima de uma road bike superasse o prazer de quase todo o resto das coisas que existem, nunca encontrei ninguém pra subir numa road bike como se estivesse indo fazer um piquenique no parque.
Então combinei de fazer uns pedais com a Carol.
* * * 
Era verão, o sol se punha às 10 da noite, e começamos a dar umas voltinhas em volta da cidade, duas horas pedalando depois do trabalho. O verão foi virando outono devagar, e um dia nosso pé congelou no caminho, voltamos antes e em seguida as bicicletas fizeram a longa viagem de esquecimento no inverno suíço. Cross my heart and hope to die, nos prometemos que em seis meses, quando o sol voltasse de novo na primavera de 2012, iríamos juntas dar a volta de 180km em volta do Lac Léman - esta coisa linda e cristalina que avança de Genebra a Lausanne, Montreux e a um monte de cidades francesas.
E assim, uma semana depois da páscoa de 2012, finalmente demos a volta no Lac Léman e logo em seguida em todos os outros grandes lagos suíços - Neuchatel, Interlaken. Percorremos a fronteira com a Alemanha e Áustria em torno do Bodensee, e daí pra diante conhecemos praticamente a Suíça inteira, entre milharais, cadeias montanhosas, trilhas seguindo lagos e rios e - muito especialmente - vaquinhas pastando com sininho no pescoço.
* * *
Com o tempo nossas engenhocas amadoras foram sendo substituídas por equipamentos mais técnicos e sem nor darmos contas fomos nos tornando cada vez mais parecidas com ciclistas normais. Melhoramos as bicicletas, arranjamos novos casacos corta-vento, instalamos uma infinidade de bolsinhos e porta-coisas nas vélos, aprendemos a consertar correias emperradas, mas nesses anos encontramos muito, muito poucas mulheres pedalando. E ao contrário dos meninos, quase nunca acompanhadas de outras mulheres.
Eu me acidentei batendo num vaso, ela se acidentou batendo numa cancela fechada. Tomamos chuva, passamos um frio desgraçado, ouvimos rock'roll rural em cima do selim, encontramos criações de lhamas em plena Suíça, vimos cabritos escalarem os lugares mais inesperados, caímos em todo tipo de festa bizarra local na Suíça alemã e uma vez tomamos esta cerveja que só pode ser bebida em dias de lua cheia.
Metáfora entre observar e estar presente, entre o estar e o partir, a vida é como um passeio de bicicleta.  E quando a gente tem sorte, existem companheiros pra dividir a viagem com a gente.
* * *
O próximo projeto é percorrer 1200km, saindo do norte da França, lá na Bretanha, até a fronteira com o País Basco, no sul. Desta vez eu e Carol vamos com carregamento - mochila e barraca, 15 dias de viagem, bicicleta de cicloturismo. Sairemos no dia 14 de junho de 2013 e esperamos chegar no dia 29 ao destino final.
O roteiro da viagem está aqui embaixo, e daqui pra frente esta história de preparações e de experiências vai ser contada aqui.
http://www.velodyssey.com/
Dream a dream with me.

terça-feira, 7 de maio de 2013

#27. Pedalando fácil em volta de Genebra: a rota 50

A Suíça, na alegria e na tristeza

A Suíça dói.
Não encoste sem querer em alguém no ônibus. Não fale alto. Não ouse atender celular no trem. Não pegue o elevador quando outra pessoa está dentro. E por favor, não perca tempo tentando olhar nos olhos de ninguém.
Na Suíça, especialmente nos seis meses de inverno, a gente aprende a respeitar o direito de cada pessoa à sua própria solidão.
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Genebra também dói, mas de um jeito diferente.
Na cidade em que todo mundo é estrangeiro trabalhando nos corredores esterilizados das repartições públicas internacionais, sinais exteriores de afeto e manifestações públicas de dúvida são considerados impróprios à cidadã e ao cidadão razoáveis.
Benvindo ao mundo da razão e do planejamento, aos domingos intermináveis em que não se encontra ninguém na rua, aos happy hours diários com engravatados que por alguma razão mística só conseguem ouvir música ruim, às vitrines horrorosas piscando roupas cinzas e caríssimas, à cidade menos erótica do planeta.
Aprendi aqui que a monotonia é a principal causa da morte por sufocamento.
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A Suíça é o segundo paraíso, o Éden perdido.
Se você é ciclista, é o primeiro.
A vacina é feita do próprio veneno, e nas organizadas, sistemáticas e previsíveis ciclovias suíças construídas de asfalto perfeito, o silêncio é tão forte que parece que respirar é maior que a própria vida. Sem ruídos e sem surpresas, no alarms and no surprises, numa tarde de primavera sem ninguém você tem o privilégio de observar o tempo parando e assistir tudo como se estivesse num filme do lado avesso. Em cima da bicicleta, agora é você que se move num mundo em slow motion. Não existe nada, e a distância entre você e você mesmo, ou entre você e a montanha ou o lago desaparecem.
O mundo do direito humano a ser um indivíduo sozinho no espaço ocupado pelo próprio corpo e pelas próprias manias é estranhamente um mundo em que se pode chegar facilmente até esse lugar onde o ego se dissolve.
Os extremos se tocam?

A bicicleta, esta tábua de salvação

Tudo isso pra dizer, simplesmente:  se você tem que vir pra cá pra uma reunião num desses infinitos órgãos internacionais, se você está vindo morar destes lados, se você está chegando pra um dos estágios de três meses em OMC, ONU ou seja lá o que for em Genebra... A bicicleta pode ser sua melhor forma de meditação, ou a bicicleta pode ser mesmo sua bíblia, sua divindade, sua estratégia de salvação.  Pra mim foi e é.
Porque a Genebra dos infinitos tons de cinza é também o ponto de encontro de milhões de rotas de bicicleta. Hoje eu vou sugerir um passeio prático de duas horas na rota que eu mais gosto nos arredores de Genebra: a rota regional 50, que te leva pra pedalar na Suíça profunda dos sítios cheios de vacas com sininho e cidades pequenininas. Em outros dois posts desta série, vou sugerir mais umas duas rotas em torno de Genebra, assim você tem opção de escolha.

Primavera na rota 50: as vaquinhas deixam o confinamento do estábulo e saem pro pasto. Juro: elas parecem sorrir. Há um ano atrás - Abril, 2012

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Tudo que você precisa saber pra pegar a rota 50

1. O que é a Rota 50
A rota 50 é uma longa, longa estrada de bicicleta com 255km de distância. Ela começa em Genebra e termina em Olten, na Suíça alemã, passando por estradinhas muito estreitas no meio de sítios.  A maior parte dela é feita de asfalto, embora haja alguns poucos trechos de estrada de chão. Pra saber tudo sobre essa rota, dê uma olhada aqui: http://www.veloland.ch/en/routes/route-050.html
Se você gosta de cheiro de esterco, roça e vaca pastando, esta é a rota pra você.








Primavera na rota 50: no meio do caminho, uma plantação de tulipas selvagem "self-service". Você colhe suas flores e paga por elas deixando as moedinhas no caixa (esse barril "Caisse", aí na foto)

Só que 250km em bicicleta é muito chão. Você pode fazer uma parte dela e depois voltar pra Genebra - pedalar uma hora, digamos, e depois voltar. Se você estiver aqui entre a primavera e o verão (abril-setembro), o sol se põe entre as 9:30 e 10 da noite. Isso significa que você pode sair do seu trabalho/estágio, dar uma volta linda de bike, e depois ainda voltar pra tomar uma cerveja na beira do lago em Genebra. Eu já fiz isso mil vezes, por isso garanto que é possível.


Se você quiser fazer um passeio longo por ela, pegue um dia do fim de semana, siga a rota até onde der e quando cansar pegue o trem de volta pra Genebra. Tem muito trem, não se preocupe! Só não esqueça que, além do seu ticket, você tem que comprar o ticket pra sua bici - pra mais informações, o site da companhia de trem suíça é este daqui: http://www.sbb.ch/en/home.html

2. Qual bike? Como pegar a rota? O que levar?

Se for um passeio light de 2 horas, ida e volta, você pode ir com qual bike quiser: bici de cidade, mountain bike, road bike... Depende do que estiver na sua mão. Para passeios mais longos, de dia inteiro, realmente não recomendo a city bike, porque a postura do corpo é desfavorável para itinerário longo, a bici é lenta, tem poucas marchas e cansa rapidinho. Vira uma saga, não uma viagem de alegria.

Se você está aqui na primavera ou no verão, por poucos dias e não tem bici, não se desespere: você pode pegar uma emprestada nesta associação genebrina chamada "Genève Roule" (sim, literalmente "Genebra rola"). Por até 4 horas, o aluguel é grátis. É super fácil! Aqui está o site: http://www.geneveroule.ch/drupal/en/node/9

Para duas horas, leve com você uma garrafinha de água e um lanchinho - uma banana, uma barra de cereal, um chocolate... Mas antes de sair, olhe pelo amor de Deus a previsão do tempo na região: www.meteosuisse.ch

Essa rota não tem segredo. Saindo do centro de Genebra - a estação central chamada de "gare Cornavin" -, pegue a rua principal, "rue de Lausanne". Fique atent@; logo você vai ver umas plaquinhas azuis pequeninas penduradas no poste. Siga a plaquinha da rota 50 e voilà: bom passeio!

Exemplo de sinalização nas ciclovias suíças - essa, por exemplo, é (obviamente) a plaquinha para a Rota 8.

Por fim...
Na dúvida, pedale.
Porque quando você estiver na estrada, você vai ficar tão feliz que não vai querer estar em outro lugar. 
E porque pedalar aqui é fácil. Tão fácil quanto ir à padaria. 
Afinal de contas, a vida é como um passeio de bicicleta. 

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P.S. De iniciante à fanática, meu caminho pelo mundo do ciclismo foi sempre acompanhado pela Carol, companheira de bike e doutora absoluta na arte de dizer Sim. Todos os posts de ciclismo são dedicados a ela: Namastê, Caroles!

segunda-feira, 6 de maio de 2013

#26. A maravilhosa gororoba de quinoa, lentilha e grão de bico

Há uma semana fiz 33 anos. De aniversário, minha amiga Bibi me convidou para almoçar num restaurante natureba lindo lá de Genebra (http://www.auxdeuxportes.ch/). Pedimos o prato do dia, que na verdade é a única opção que existe lá. Tcham tcham tcham, morrendo de fome, o pedido está aqui, na bandeja da garçonete. Em porções pequenininhas, lá estavam elas, as comidas, dispostas lado a lado no mesmo pratinho: salada de bulbo de erva-doce com limão (ultra-detox), um cereal integral (orgo, com gostinho de arroz integral), e no meio do prato, em toda sua peculiaridade e esquisitice, o prato principal - uma Coisa cheia de ingredientes, dentre os quais eu só conseguia distinguir mesmo as lentilhas, perdidas no meio de uma maçaroca branca de outros cereais e legumes.

E esta Coisa, meus amigos, esta Coisa cujo nome eu desconheço... esta coisa era maravilhosa.

Eis, então, que inspirada pela inesquecível aparência da Coisa, resolvi preparar aqui em casa minha própria versão dela. Não se deixem enganar pela descrição aqui de cima - ela era linda, a apoteose máxima do alimento bem temperado, cheiroso, de consistência perfeita, de valores nutricionais intergaláticos... E foi assim, tentando imitar esta obra-prima - com a sensação que eu estava sentadinha no Museu d'Orsay, tentando compreender e imitar as obras de arte impressionistas -, foi assim que nasceu uma das minhas melhores invenções: a "Maravilhosa Gororoba de Quinoa, Lentilha e Grão de Bico".


Aí vai a receita, sempre aberta às suas variações.  Ela não é rápida, mas é um boost de proteína e de nutrição especialmente pros vegetarianos amigos... Serve duas pessoas esfomeadas ou três pessoas sensatas. Aproveitem e não se deixem intimidar: dentro de cada um mora um cozinheiro genial.

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Você vai precisar de:

- 1 colher de sopa de azeite de oliva
- 6 colheres de grão de bico cozido (eu cozinho em casa, mas você pode comprar pronto enlatado)
- 6 colheres de quinoa cozida (cozinhar quinoa é fácil e rápido: 1 parte de quinoa pra duas de água, fogo médio, 1 pouco de sal, 20 minutos de cozimento e voilà)
- 6 colheres de lentilha cozida (eu cozinho a lentilha com pedacinhos de cenoura, e fica ótimo. Para este prato, a lentilha tem que estar com uma consistência de feijão, com caldinho)
- 1 dente de alho pequeno esmagado
- 4 colheres de milho verde (mas você pode substituir por outro vegetal de mesma consistência)
- 4 champignons pequenos (mas você pode substituir por outro vegetal de mesma consistência)
- pimenta do reino e outros temperos que você gostar
- folhas de espinafre
- sal
- os temperos que você gostar (eu usei noz moscada e pimenta do reino)


Preparando:

 Veja: o prato é demorado porque envolve grão de bico, lentilha e quinoa cozidos. Tudo isto demora uma tempão para cozinhar, mas uma vez que estejam todos prontos, a preparação da gororoba é vapt-vupt.
Antes de tudo, esmague o grão de bico com um garfo. Misture-o com a quinoa e com a lentilha - você vai ver que os três juntos terão uma consistência interessante - não um caldo nem uma coisa farinhente, mas algo entre os dois, macio e firme ao mesmo tempo.
Coloque numa frigideira grande de teflon o alho, o cogumelo, o espinafre e o milho para dourar junto com o azeite de oliva. Coloque sal e temperos. Deixe até ficar bem quente, depois adicione a mistura de lentilha, quinoa e grão de bico. Acrescente um pouquinho de água e deixe esquentando em fogo baixo, mexendo para que o azeite temperado com o alho, o cogumelo e as outras coisas se misture bem com os grãos. Quando estiver bem quentinho, retire.
Eu servi com grão de bico cozido no vapor e com salada. Com arroz integral e salada também deve ser uma delícia.