quarta-feira, 28 de agosto de 2013

#52. Diários de bicicleta: kitsch me, babe

Valência-Xeraco-Les Rotes-Platjas del Pi-Santa Pola-Cartagena
330km para chegar no mundo de Gabriel 

Nada de mau pode acontecer comigo se eu estou perto do mar.
Nem o vento contra, nem os edifícios de mau gosto que enfeiaram essa parte da costa mediterrânea da Espanha com a bolha econômica da construçao civil, nem o calor de 35 graus pegajosos que me transforma num chafariz suador ambulante. 
Descendo de Valência em direçao ao sul da Espanha pela linha da costa, eu presto atençao é no mar transparente, no ventinho úmido que me lembra a Bahia, no mundo dos seres humanos que saem com sua farofa no isopor pra curtir a praia no verao. Digo definitivamente adeus à fairy tale dos hipsters gatinhos de Barcelona e da Costa Brava. Minha pequena Blanca e Cálida costas espanholas, minha Porto Seguro misturada com Cancún; minha maravilhosa terra de balneários para farofeiros alemaes e britânicos que usam sandálias com meias; meu amado mundo de parquinhos de diversao de plástico enfiados no meio do mar: eu te aceito do jeito que você é; eu te recebo na sua cafonice com meus braços bem abertos.

***

Algumas coisas o deserto tinha que me ensinar. Mas mais que me ensinar, ele me deu fome de ver gente, como se encontrar com outros seres da mesma espécie fosse uma sorte de necessidade fisiológica. E aqui nesta parte da costa espanhola nao pode existir mais gente. E nao pode existir gente mais cafona. O pessoal do cabelinho de gel e estilo jogador de futebol. As gatas de shortinho e sandaliona alta meio travecs. A turma alemao-de-balneário. Descendo Valência em direçao a Alicante, e depois até Cartagena, é aqui que eles vivem em agosto, e sua capital simbólica nao poderia ser outra senao Benidorm, uma cidade tao asquerosa quanto Camboriú e onde o mar nao passa de um enfeite na paisagem shopping center de prédios, ruas largas e lojas de souvernirs.

Mesmo assim eu digo sim. Decido que quero exercitar todas as formas que eu conseguir de dizer SIM, bem alto, pra tudo quanto é coisa. E começo mandando toneladas de mensagens pelo Warm Showers, que é o couch surfing dos ciclistas. "Sou ciclista pedalando a Espanha há dois meses e meio - quer me receber aí no sofá?"  Eu, que sempre gostei mais de cachorro do que de gente, eu agora estou facilíma pra qualquer um.

Assim é que tenho as experiências mais interessantes, começando por Valência, onde sou recebida pelo Carlos, um colombiano good vibe que faz um doutorado por lá e que me leva pra um city tour completo em bici. Like-minded, ele me dá as melhores boas-vindas ao meu propósito de voltar à terra das gentes. E logo vou baixando pra encontrar uns kyte surfers lindos e barbudos que me pegam pela mao e me levam para uma - acreditem se quiserem! - praia selvagem no meio da prediarada. E ali passo uma tarde inteira, de topless e com a bicicleta estacionada na areia, assistindo os kytes como se fossem pipas no céu. Já acho que estou abusando do Universo quando, dois dias depois, paro numa praia maravilhosa de pedrinhas ao lado de Benidorm e, bici de novo na beira do mar, vejo um casal acenando com uma latinha de coca-cola debaixo do guarda-sol. Eles sao valencianos e viajam por aí, meio hippie, casal de 50 anos sem filhos e com cachorros - "hoje você nao vai a lugar nenhum; hoje você dorme numa caminha gostosa no nosso trailer e a gente vai cozinhar pra você!". Enfio a bike no carro deles e aí estamos os três, comendo uma janta maravilhosa enquanto eu brinco com a cachorrinha yorkshire. Assistimos um filme dublado na tv, falamos bobagem como se nos conhecêssemos de toda a vida, e meu coraçao está apertado na hora de ir embora. 
Meu Deus do céu, cada vez mais eu amo a Espanha.
Em dois dias chego finalmente a Cartagena. A cidade é esquisita, e minha impressao é que há uma certa urgência sexual no ar. Nunca me senti mais observada, e é como se cada pessoa estivesse comendo minha perna e minha bunda com os olhos. Descubro que a pensao que eu reservei pela internet é na verdade um prostíbulo, e o quartinho onde minha bici fica guardada tem um cachorro fedorento dormindo. Na sala do lado, uma moça faz as unhas com vestidinho decotado.
À la Gabriel Garcia Marquez, acho tudo engraçado e me despeço mentalmente desse lugar que, à sua maneira esquisita, é a apoteose da minha volta à humanidade. Hoje à tarde começa outro mundo; hoje â tarde vou pro lugar com que eu sempre sonhei, né? Andaluzia querida, que é que você vai me ensinar?




*nesse ponto já tenho muitas fotos, mas tem sido tao difícil fazer upload nestes internet cafés... Juro que em um mês farei update de todos os posts com imagens das coisas e pessoas que estou encontrando por aí

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