segunda-feira, 12 de agosto de 2013

#50. Os diários de bicicleta: dicas de cicloturismo, parte 1

[este post será dividido em dois ou três, porque as dicas são muitas e o texto é muito longo!]

Recebo um montão de mensagens de amigos que pedem toda sorte de dicas de cicloturismo.
Perguntas sobre o caminho de Santiago são as mais populares, mas também tem muita gente querendo saber qual foi a minha rota, como comer na viagem, que coisas levar, qual tipo de bicicleta aguenta esse tipo de viagem, se é preciso ser fit pra viajar de bike, onde dormir, como se planifica o caminho, em quais países dá pra pedalar...
Como a viagem ainda não acabou, e como toma tempo demais nesse momento da minha vida de sem-computador pra descrever bonitinho, step-by-step os lugares por onde eu passei, então vou postar o roteiro da viagem - com descrição das estradas que eu tomei, como chegar e como partir - quando terminar os próximos quilômetros que me esperam. Dividir é a minha forma de agradecer a todos os ciclistas que pararam, riscaram meu mapinha e me indicaram os melhores lugares e estradas para pedalar.
O caminho de Santiago é uma etapa à parte, e também os detalhes de como eu fiz a viagem eu vou postar mais pra frente (mas se você quiser pedalar por ele agora, entre aqui no www.bicigrino.com, que você encontra tudo que precisa pra fazer o Caminho!).

As dicas que vou dar aqui são na verdade o jeito que eu encontrei pra fazer as coisas, e podem ser resumidas assim:
é mais fácil do que parece.
tire férias e vá pedalar.


***

A bicicleta

Depende do que você quer.
Se você quer um veículo 4X4 que te leve pra todo lado, vá de mountain bike (mas você vai ser bem mais lento no asfalto).
Se você gosta de pedalar smooth, vá com uma bike híbrida - o nome chique para genérica -, dessas que parecem um pouco com mountain, mas não têm suspensão e têm a roda mais fina. A minha é assim (mas você ficará limitado em trechos sem pavimento).
Se você tem grana pra investir, compre uma bicicleta de cicloturismo, que é super robusta e aguenta muito peso (mas eu realmente não gosto muito, porque são muito pesadas e cansam pra subir escada de hostel!).
Nunca vá com essas bicicletas de cidade, tipo dobrável, ou sem marcha, ou com poucas marchas.
Vá com a melhor bike que você puder. Porque se alguma coisa estiver minimamente desconfortável, compaheir@, eu juro: esta coisa ficará absolutamente insuportável no seu quinto dia de viagem, quando você estiver passando 5 horas diárias sentadinho e embaixo do calor ou da chuva.
Revise sua bike antes de sair de viagem.
Cuide de sua querida bundinha e adquira um assento confortável, mesmo que ele seja um pouco caro.
Não esqueça: a melhor bici é aquela que tem o quadro que ajusta ao seu corpo. O resto, todas as outras peças são cambiáveis; o quadro não. O quadro, meus amigos, é o coração da bicicleta.


*Essa é a minha companheira: Trek 7.2

Levar ou alugar bicicleta?

Se você vai pra algum lugar longe, e sem carro pra levar sua bici, essa é uma pergunta crucial.
Olha, eu sempre levo a minha porque as bicis pra alugar que tenho visto até agora são uma porcaria. E seguramente bicis boas de aluguel devem custar uma fortuna. E quando eu digo fortuna, eu digo Fortuna, assim mesmo, com um F bem grande no começo.
No avião: isso significa que eu encaro a bucha de desmontar minha bicicleta, colocar coisinhas pra protegê-la de choques, buscar pedaços de papelão e montar uma caixa gigante, ralar pra encontrar um táxi que leve meu bebê e pagar uma fortuna pra chegar com ela até aeroportos. Na verdade é divertido; nem é tão chato assim. As companhias aéreas geralmente transportam sua bici, mas a política para isso varia em cada uma delas. Cheque antes. Em alguns aeroportos do mundo há mesmo empresas que embalam a bike pra você!
No trem: na Europa há trens que levam a bici sem desmontar. Na Suíça, por exemplo, é facílimo; na França é meio chato; na Espanha é um perrengue. Mas sempre tem como levar; trens são sempre a melhor opção pra transportar bikes. É só uma questão de checar com a companhia de trem do país que você escolher como é que funciona por ali.
Ônibus: alguns te obrigam a desmontar, outras companhias levam a bici inteira. Mesma coisa - checar com as companhias.
Não esqueça: desmontar a bike é sempre a pior opção, porque é chato e toma um tempão.
Se você não sabe desmontar, leve a bike no seu mecânico, fique assistindo ele fazer, faça mil perguntas e aprenda a montá-la de novo. Esta será sua primeira e melhor aula de mecânica.

Alforges


Ciclistas não viajam de mochila - por causa do equilíbrio do corpo e do conforto, os alforges são as mochilas dos ciclistas.

A bici é barata comparada com o equipamento que você vai precisar pra poder fazer uma viagem, mas se o equipamento for bom ele vai durar pra sempre. O custo da sua viagem de cicloturista tende a diminuir drasticamente no longo prazo..
Instale um bagageiro na bike e ali pendure seus alforges. Eles têm que ser impermeáveis, e as melhores marcas que rolam são Vaude ou Ortlieb. O meu par de alfoges custou 150 euros, se você quiser saber mais ou menos a média de preços.
No guidão, instale uma bolsinha removível e impermeável especial pra bicicleta. Ali você vai colocar sua carteira, documentos, protetor solar, óculos de sol e todas as outras coisas de uso frequente. É maravilhoso, é essencial!
*Minha bike na Costa Brava espanhola - detalhe é a bolsinha que vai na frente

Tem que ser ciclista pra começar? + Pra não se machucar

Não precisa ser atleta pra começar.
Já vi bastante gente sedentária que ficou fit pedalando em cicloturismo. Vixe... muita gente mesmo.
Mas se você não está acostumado a pedalar com carga - quase ninguém está, né? - vá bem devagarinho nos primeiros 10 ou 15 dias.  Pense que bicicleta de viagem, com carga, é um outro veículo, meio que uma carroça. O centro de gravidade é diferente, o equilíbrio é diferente, subir encostas é diferente, descer é diferente.
Treine a humildade, faça poucos quilômetros por dia, alongue, aproveite pra parar e visitar os lugares bonitos do caminho, pra fazer um piquenique embaixo da árvore. Mesmo que você sinta que pode ir mais, não vá. Escute seu corpo. Chegue no fim de cada dia, entre no chuveiro/banheira e tome um banho da água mais gelada que você conseguir encontrar, mesmo que isso signifique um sofrimento louco e que os seus ossos doam mais que a vida. Isso vai desinflamar todo o seu corpo e vai ajudar na sua recuperação muscular.
Dá pra escrever uma história sobre as pessoas que eu vi machucadas no caminho, a maioria delas com tendinite no tornozelo ou com problema de joelho.  Na maioria das vezes a lesão vem do sobre-esforço, e geralmente a gente não se dá conta que está passando do limite. Eu mesma machuquei meu pobre joelhinho no meu primeiro mês...
Lembre: o pessoal que pedala 70km por dia na manha geralmente não se machuca. Esses normalmente são os cicloturistas experientes.
Então use o cicloturismo pra descobrir o seu corpo e pra cuidar dele.
Se você quer pedalar um montão por dia, a melhor coisa é pegar sua bike e sair pedalando por aí, livre e leve, sem alforges e sem compromissos.
Se o negócio é sair de cicloturismo, vá devagar, pedale menos, contemple mais. A recompensa no final será um corpo forte e sem lesões.

Comendo

Ciclista de longa distância é como diabo da Tasmânia ou - citando o Manu - o Cookie Monster.
Nada nesta vida dá mais fome. E quando eu digo fome, digo: comprar um pacote de macarrão, comê-lo inteiro na janta (=500 gramas), chegar no final da viagem de 2 meses e ter perdido cinco quilos e meio. Digo: comer cinco croissants, um café com leite e um suco de laranja no café da manhã. Digo: uma pizza inteira, uma salada e um sanduíche de meia baguette na hora do almoço, e mais uma coca-cola normal pra acompanhar.
Cada pessoa tem uma estratégia pra comer que nem monstro, ter sempre comida à mão e ainda por cima não acrescentar muito peso aos alforges. Vou explicar a fórmula que eu desenvolvi pra mim, e que foi a melhor que eu encontrei até agora.
Iogurte todo dia, porque meninas têm que cuidar muito do ph e evitar chatices como corrimento e outras doenças íntimas.
Sempre tenho comigo um saquinho de ameixa seca, que são fibra pura pro intestino, e que ainda por cima têm bastante açúcar.
Uma caixinha de 1 litro de suco de laranja sempre me acompanha no quadro da bike, do lado da garrafa de água. É açúcar puro, absorve rápido, tem bastante calorias e vitamina C.
Um pacote de cookies, porque se o açúcar baixa de repente eles sempre estão ali.
Duas bananas - uma antes, uma depois da viagem.
Quando sinto dor no estômago por alguma razão, como bastante maçã. Não sei qual a ciência disso, mas elas me ajudam muito. A mesma coisa com limão. Sempre carrego comigo um limão.
Um pacotinho de castanhas sempre salva a pátria da vontade de comer sal.
Na hora do almoço, tiro dos alforges um pãozinho, um queijo, tomate. Na janta sou mais cuidadosa e, no camping ou no hostel, encaro bastante abacate, salada escura (espinafre ou rúcula; o que tiver), a proteína disponível, macarrão.
Ser vegetariana é difícil. Quando encontro, me jogo em cima dos grãos de bico. Como nem sempre foi possível, flexibilizei e comecei a comer peixe e frutos do mar na viagem. É difícil, porque o corpo digere mal, mas foi a solução.
No mínimo 4, mas normalmente uns 5 litros de água por dia.
E no final de cada dia, a maravilhosa, a genial, a benvinda cerveja que salva a pátria.










3 comentários:

  1. Tô aqui pensando nas adaptações pra Chubby :)

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  2. Mari: vc eh fantástica! Ótimas dicas pros que quiserem se aventurar e sempre com muito humor e um texto delicia! Te acompanhando assim na internet, da ate vontade de encarar um passeio de uma semaninha! Hehe

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  3. Hahaha!!! Mari, fiquei vendo esse "bichinho" e imaginando vc comendo os cookies!!! Hahahahaha...

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