terça-feira, 7 de maio de 2013

#27. Pedalando fácil em volta de Genebra: a rota 50

A Suíça, na alegria e na tristeza

A Suíça dói.
Não encoste sem querer em alguém no ônibus. Não fale alto. Não ouse atender celular no trem. Não pegue o elevador quando outra pessoa está dentro. E por favor, não perca tempo tentando olhar nos olhos de ninguém.
Na Suíça, especialmente nos seis meses de inverno, a gente aprende a respeitar o direito de cada pessoa à sua própria solidão.
***
Genebra também dói, mas de um jeito diferente.
Na cidade em que todo mundo é estrangeiro trabalhando nos corredores esterilizados das repartições públicas internacionais, sinais exteriores de afeto e manifestações públicas de dúvida são considerados impróprios à cidadã e ao cidadão razoáveis.
Benvindo ao mundo da razão e do planejamento, aos domingos intermináveis em que não se encontra ninguém na rua, aos happy hours diários com engravatados que por alguma razão mística só conseguem ouvir música ruim, às vitrines horrorosas piscando roupas cinzas e caríssimas, à cidade menos erótica do planeta.
Aprendi aqui que a monotonia é a principal causa da morte por sufocamento.
***
A Suíça é o segundo paraíso, o Éden perdido.
Se você é ciclista, é o primeiro.
A vacina é feita do próprio veneno, e nas organizadas, sistemáticas e previsíveis ciclovias suíças construídas de asfalto perfeito, o silêncio é tão forte que parece que respirar é maior que a própria vida. Sem ruídos e sem surpresas, no alarms and no surprises, numa tarde de primavera sem ninguém você tem o privilégio de observar o tempo parando e assistir tudo como se estivesse num filme do lado avesso. Em cima da bicicleta, agora é você que se move num mundo em slow motion. Não existe nada, e a distância entre você e você mesmo, ou entre você e a montanha ou o lago desaparecem.
O mundo do direito humano a ser um indivíduo sozinho no espaço ocupado pelo próprio corpo e pelas próprias manias é estranhamente um mundo em que se pode chegar facilmente até esse lugar onde o ego se dissolve.
Os extremos se tocam?

A bicicleta, esta tábua de salvação

Tudo isso pra dizer, simplesmente:  se você tem que vir pra cá pra uma reunião num desses infinitos órgãos internacionais, se você está vindo morar destes lados, se você está chegando pra um dos estágios de três meses em OMC, ONU ou seja lá o que for em Genebra... A bicicleta pode ser sua melhor forma de meditação, ou a bicicleta pode ser mesmo sua bíblia, sua divindade, sua estratégia de salvação.  Pra mim foi e é.
Porque a Genebra dos infinitos tons de cinza é também o ponto de encontro de milhões de rotas de bicicleta. Hoje eu vou sugerir um passeio prático de duas horas na rota que eu mais gosto nos arredores de Genebra: a rota regional 50, que te leva pra pedalar na Suíça profunda dos sítios cheios de vacas com sininho e cidades pequenininas. Em outros dois posts desta série, vou sugerir mais umas duas rotas em torno de Genebra, assim você tem opção de escolha.

Primavera na rota 50: as vaquinhas deixam o confinamento do estábulo e saem pro pasto. Juro: elas parecem sorrir. Há um ano atrás - Abril, 2012

***

Tudo que você precisa saber pra pegar a rota 50

1. O que é a Rota 50
A rota 50 é uma longa, longa estrada de bicicleta com 255km de distância. Ela começa em Genebra e termina em Olten, na Suíça alemã, passando por estradinhas muito estreitas no meio de sítios.  A maior parte dela é feita de asfalto, embora haja alguns poucos trechos de estrada de chão. Pra saber tudo sobre essa rota, dê uma olhada aqui: http://www.veloland.ch/en/routes/route-050.html
Se você gosta de cheiro de esterco, roça e vaca pastando, esta é a rota pra você.








Primavera na rota 50: no meio do caminho, uma plantação de tulipas selvagem "self-service". Você colhe suas flores e paga por elas deixando as moedinhas no caixa (esse barril "Caisse", aí na foto)

Só que 250km em bicicleta é muito chão. Você pode fazer uma parte dela e depois voltar pra Genebra - pedalar uma hora, digamos, e depois voltar. Se você estiver aqui entre a primavera e o verão (abril-setembro), o sol se põe entre as 9:30 e 10 da noite. Isso significa que você pode sair do seu trabalho/estágio, dar uma volta linda de bike, e depois ainda voltar pra tomar uma cerveja na beira do lago em Genebra. Eu já fiz isso mil vezes, por isso garanto que é possível.


Se você quiser fazer um passeio longo por ela, pegue um dia do fim de semana, siga a rota até onde der e quando cansar pegue o trem de volta pra Genebra. Tem muito trem, não se preocupe! Só não esqueça que, além do seu ticket, você tem que comprar o ticket pra sua bici - pra mais informações, o site da companhia de trem suíça é este daqui: http://www.sbb.ch/en/home.html

2. Qual bike? Como pegar a rota? O que levar?

Se for um passeio light de 2 horas, ida e volta, você pode ir com qual bike quiser: bici de cidade, mountain bike, road bike... Depende do que estiver na sua mão. Para passeios mais longos, de dia inteiro, realmente não recomendo a city bike, porque a postura do corpo é desfavorável para itinerário longo, a bici é lenta, tem poucas marchas e cansa rapidinho. Vira uma saga, não uma viagem de alegria.

Se você está aqui na primavera ou no verão, por poucos dias e não tem bici, não se desespere: você pode pegar uma emprestada nesta associação genebrina chamada "Genève Roule" (sim, literalmente "Genebra rola"). Por até 4 horas, o aluguel é grátis. É super fácil! Aqui está o site: http://www.geneveroule.ch/drupal/en/node/9

Para duas horas, leve com você uma garrafinha de água e um lanchinho - uma banana, uma barra de cereal, um chocolate... Mas antes de sair, olhe pelo amor de Deus a previsão do tempo na região: www.meteosuisse.ch

Essa rota não tem segredo. Saindo do centro de Genebra - a estação central chamada de "gare Cornavin" -, pegue a rua principal, "rue de Lausanne". Fique atent@; logo você vai ver umas plaquinhas azuis pequeninas penduradas no poste. Siga a plaquinha da rota 50 e voilà: bom passeio!

Exemplo de sinalização nas ciclovias suíças - essa, por exemplo, é (obviamente) a plaquinha para a Rota 8.

Por fim...
Na dúvida, pedale.
Porque quando você estiver na estrada, você vai ficar tão feliz que não vai querer estar em outro lugar. 
E porque pedalar aqui é fácil. Tão fácil quanto ir à padaria. 
Afinal de contas, a vida é como um passeio de bicicleta. 

***
P.S. De iniciante à fanática, meu caminho pelo mundo do ciclismo foi sempre acompanhado pela Carol, companheira de bike e doutora absoluta na arte de dizer Sim. Todos os posts de ciclismo são dedicados a ela: Namastê, Caroles!

Nenhum comentário:

Postar um comentário