quarta-feira, 6 de março de 2013

#24. Truth's a pathless land: essa coisa chamada iluminação, parte 1 [Rajneesh/Osho]

Para os queridos Camila e Antônio

Acordando de sonhos intranquilos, custo a colocar o pé pra fora da cama. Já foi, agora são 10 da manhã e estou descendo e subindo as escadas do mundo. Café com leite em cima da mesa, o computador ligado em cinco jornais de hoje, rolo as notícias pra cima e pra baixo na velocidade precisa de cinco abas abertas que do lado direito da tela piscam bom dia em anúncios de tênis e de apartamentos. Estadão Folha The Guardian Le Monde The Independent, e enquanto uma notícia carrega, vou lendo a trezentas palavras por segundo que no dia de hoje o papa faz o último discurso, uma criança é curada da AIDS, pessoas choram no enterro de mais uma vítima da tragédia naquela boate em Santa Maria, e na coluna do Pondé que um amigo reparte comigo todas as segundas dá-lhe um texto sobre sexo, dinheiro, poder e pecado. Dou mais um golinho e passo para minhas três contas de email. Livros pra devolver, prazo de paper para conferência, as leituras da aula de quarta, minha passagem de trem pra Paris. O dia já começou, e enquanto me preparo para sair, lá está ela.  Perdida entre os pragmatismos das tarefas cotidianas, uma mensagem enviada por um amigo, só título, nenhum texto, explicações desnecessárias, e eu dou um pulo da cadeira.

: Truth's a pathless land

É?


***

Ládosladosdelá, no centro do meu mapa múndi, habita esse país chamado "iluminação". Destino final, última parada do metrô, um jardim maravilhoso no qual a gente entra como se fosse em imigração de país rico - mil perguntas, todas devidamente respondidas, seja bem-vinda, você passou no teste. Penso na iluminação como se fosse uma experiência mística transcendente metaforizada pelo despertar do Buda histórico: ele senta embaixo da árvore do quintal e só levanta depois de uma semana. Do lado de fora está tudo igual, um novo papa eleito, outra tragédia em outro lugar do mundo, as abas no computador jogando na cara mais e mais fotos ensaiadas nas páginas chatas das redes sociais. O que é diferente, agora, é que o Buda não sabe, simplesmente - ele sente em cada célula do corpo e em cada segundo que estamos morrendo e vivendo na mesma medida.  E por isso, só por isso, ele sabe que tudo é uma bobagem e que a única verdade é o amor.  Iluminação seria como abrir as cortinas do palco do mundo pra ver o teatro da vida rolando a partir dos bastidores, e daí sai uma paz que é ausência de angústia, desespero, ansiedade. A iluminação, portanto, seria um estado último de tranquilidade.

Eu quero chegar lá.

Acontece que ultimamente venho duvidando dessa idéia.  Desenhada assim, desse meu jeito, a iluminação é uma e só uma.  Ela tem um lugar no tempo e no espaço, um momento definitivo de redenção. Você chega lá e vira cidadão honorário deste novo território. Como ausência de conflitos, ela é estática e até um pouco chata, como naquelas imagens que a gente tem do céu, anjinhos tocando harpa e uma irritante música de elevador. Por que é que a iluminação pra mim tem que ser a ausência da contradição, do conflito, da ambiguidade? Por que será que eu não consigo ver na diferença inconciliável e irresolúvel, na falta de saúde e na síndrome do pânico, no cheiro tão orgânico e nosso de merda e esgoto, no corpo apodrecido do velho doente,  na barriga de catupiry, na música barulhenta e no mendigo louco da estação de metrô - por que não consigo ver nisto e nestes o êxtase transcendente da iluminação?, pergunta o alienígena foucaultiano que mora dentro do meu coração.

***

Essas perguntas vêm me atormentando de todos os lados nos últimos tempos.  Há uma lista de culpáveis, e sobre eles que eu vou falar na série de posts que começa agora.

O início foi há um mês atrás, quando assisto bobamente um documentário sobre o Rajneesh - aquele que no fim da vida troca o nome por Osho - e subitamente fico dias hipnotizada com esse cara.  Depois de assistir o filme 4 vezes passo para as palestras dele no youtube. Não, não gosto do colega, ridicularizo o fato de ele ter uma coleção de Rolls Roices e relógios caríssimos, e a maior parte das coisas que ele fala me dá nos nervos, soa filosofia baratíssima. Mas me impressiono pelo poder que ele teve nos anos 70, 80 e 90, quando moveu tantas pessoas prometendo que elas chegariam ao fundo de si mesmas se se liberassem de tudo e encarassem a existência como contradição, dentro e fora. E vamos lá: fico com o olho vidrado naquele bando de hippies vestindo laranja na Índia e depois no Oregon, nos vídeos em que eles aparecem gritando e se batendo, ou simplesmente em transe em volta do Rajneesh. Concluo que seja lá o que fizesse ou quão estúpido pareça o que ele diz, o fato é que a energia que esse cara movia em torno de si devia ser coisa de outra mundo.

Mais do que tudo, fico de boca aberta com dois personagens do filme.  Hugh Milne e Ma Anand Sheela estiveram à frente da construção do culto ao Rajneesh/Osho lá no comecinho, nos a1970.  Ela, secretária pessoal, ele, guarda-costas.  E para além das polêmicas que a envolvem, principalmente, o fato é que os dois são tão lúcidos que não tem como não pensar no que eles dizem.  E foi o que eu fiz, quando ela me colocou a pergunta imponderável e indizível: mas o que é, então, que você busca quando vai atrás de um mestre? Essa é a primeira pergunta. Você quer a iluminação? E por que - por que você quer se iluminar? E acima disso, o que você espera dessa iluminação, dessa experiência mística? Será que a própria vontade de se iluminar, a ambição de se dividir dos demais para estar com eles - será que isso que isso não é a antítese última da sabedoria?

Não tenho a mínima idéia de como responder, mas deixo vocês com alguns links antes de continuar falando sobre esse meu novo, maravilhoso quebra-cabeças-pesadelo, e para o qual eu não tenho nenhuma resposta, nenhuma sombra de resposta, só perguntas, imensas e infinitas.

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Trailer do filme:


Entrevista com a diretora:


Sobre o Rajneeshpuram - o controverso ashram do Rajneesh em Oregon:








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