domingo, 30 de junho de 2013

#31. Diarios de bicicleta, dia 1 - de onde começa El Camino


Dia 1
Irun-Beasain, 70km, 5hs de pedal, montanha e vale

Era ontem, dia 29 de junho deste nosso calendário cristao e largada da centesima edicao do Tour de France, e eu começava meu primeiro dia de peregrinaçao em bicicleta a Santiago de Compostela. Deixei o albergue em Irun, no País Basco, às 7 da manha. Up!, mapa na mao e me perco na primeira quadra, onde estao estas malditas flechinhas amarelas que indicam o caminho hasta Santiago? Pronto, encontrei, aí está, agora sou eu na trilha para pedalar 4 minutos e logo descobrir que realmente o lugar onde caminham os peregrinos é impassavel para os ciclistas. A peregrinacao em bike é diferente,algumas vezes pelo caminho, outras por estradas alternativas que você mesmo tem que procurar no mapa. (E a Espanha é maravilhosa, mas definitivamente nao é a Suíça das ciclovias...). Ladeira acima, desço da bicicleta, caminho uns 5 quilômetros entre meia dúzia de pereginos que apontam para mim em todas as línguas, que diabos esta ciclista bizarrona esta fazendo?  Pois bem: esta sou eu, caminhando morro acima e levando no braço uma bicicleta carregada com 10kg, morrendo de medo do pneu furar neste vale de pedras pontudas, a sapatilha de ciclista enfiando fundo no lamaçal, aquela cara de quem odeia existir antes das 9 da manha.
"Que inferno este caminho; onde caralhos fui me meter?": aí estao minhas primeiras impressoes sobre esta mistica peregrinacao.
5km assim, e eis que encontro uma estrada alternativa cortandoa trilha no meio do nada - ah, a paz do asfalto, vivam as road bikes!  Saco meu mapa e meu espanhol ruim e abordo o velhinho pescando no riacho no meio do Lugar-Nenhum - señor, como llego yo hasta Hernani? De ruela no meio do nada a estradas nacionais, às 8 eu já sentia meu pobre joelhinho enquanto subia as montanhas infinitas até Oiartzum and beyond, e 70km depois eu chegava no albergue dos peregrinos em Beasain.
Sao 2:30 da tarde. 50 camas, nenhum peregrino. Mariana, a hipster do Caminho, resolveu escolher uma rota indie para começar a viagem. Em vez do Caminho do Francês, a rota preferida dos peregrinos gatinhos internacionais descolados caminhando em busca da iluminaçao, decidi começar pelo Caminho do Interior, um trecho que vai de Irun até Santo Domingo de la Calzada, e que simplesmente ninguém - repito: nin-guém - conhece.
"Onde caralhos fui me meter?"
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Faço meu registro no albergue, minha voz ecoando no nada de ninguém de lugar nenhum. Dois velhinhos voluntários me registram, sentam comigo, me mostram no mapa o tanto de rodovias e desvios que vou ter que pegar no dia seguinte. "Es muy duro para los ciclistas, no hay nadie en bici en eses lados."
E eis que chega Antonio, o responsavel pelo albergue. Foi ele quem criou este lugar lindo, no meio da rota do interior, sem preço - você paga em donativos. Uns 60 anos, normal, sandalias, ele fez o Caminho mais de 20 vezes, de todos os jeitos possíveis. Está empolgadíssimo porque em 26 dias vai fazê-lo de novo, combinando milhares de percursos diferentes. Mas nem fala sobre isso, nao está interessado nas minhas 257.432 perguntas que giram em torno da pergunta-base como é o caminho? Em vez de responder ele spluft, vê minha pobre bici esfarrapada, acha lindo uma lulher sozinha pedalando o caminho, diz que nunca viu isso, sai correndo, pega o carro e lá de dentro grita "vamos!", me enfia no banco do passageiro falando num espanhol meio basco que eu entendo mais ou menos, e vai subindo, subindo, uma rodovia estreitinha de mao dupla que serpenteia no meio da floresta, uns 40 minutos, e eu vou sentindo uma crescente e quase incontrolável vontade de vomitar porque ele sobe aquelas encostas correndo, tudo chacoalha dentro daquele carro, está ficando alto demais muito rápido, what the fuck... "Mira: es en esa carretera que tienes que subir mañana. Vas hacer ese camino mañana, ¡no te pierdas!"
Meu Jesus.
Ele estaciona o carro no meio da floresta. O dia está lindo, e vamos caminhando montanha acima. Vejo um cavalo com um cavalinho bebê de uns três dias e tenho vontade de chorar. Chegamos. Aí está: uma caverna com uma igreja dentro. Uma fenda, e para continuar o caminho é preciso abaixar até o outro lado. Abaixamos. Atravessamos. Um tapete de pedra e grama,o topo da montanha. Caverna de San Adrian, uma das coisas mais lindas que eu já vi na vida.
Ele sabia que eu nao podia chegar de bici, o dia estava lindo e ele achou que eu devia ver com meus próprios olhos.
Continuei perguntando do Caminho enquanto descíamos. "Ya no sé yo lo que es lo Camino. Cada uno hace su Camino; el Camino es el tuyo. Y él no empieza aquí: empieza cuando saliste de casa para hacerlo: ahí empieza tu Camino".
Muchas Gracias, Antonio.
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Entao, para resumir, foi assim:
Eu saí no dia 14 de junho para fazer uma viagem de bici com minha companheira de esportes. Carol e eu pegamos um trem até a Bretanha, no norte da França, e pedalamos 1200km até a fronteira com a Espanha, a maior parte do tempo com um amigo irlandês que conhecemos na estrada. Chegamos, eu nao vi sentido em voltar - afinal de contas, já nao tenho mesmo casa em lugar nenhum.
E como estávamos a 5km de uma cidade-base para o caminho de Santiago de Compostela, remarquei minha passagem pro Brasil e decidi continuar até Santiago.
A história do meu Caminho, naquilo que der, eu vou contando aqui, quando der. Copiando do meu diário de viagem, sel elaboraçoes... Porque afinal de contas, eu estou no dia 2, e afinal de contas, nem internet, nem smartphone, nem nada. Thanks God eu ainda tenho meus joelhos. Mais ou menos.
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Entao rezem por mim nas encostas das montanhas.
 
Aqui está a página do facebook do albergue do Antonio:
https://www.facebook.com/albergue.debeasain?ref=ts&fref=ts

E a trilha sonora para uma ecumenica hipster mistica peregrinando em busca da iluminacao:




E eu prometo que vou contar melhor, inclusive minhas impressoes da viagem com a Carols, quando voltar pra vida normal - nao posso nem copiar meu diario daqueles dias, porque perdi o caderninho onde estava anotando as coisas num dia que a bici estragou na chuva...
Ainda nao comprei camera, entao, torçam ai pra Carols postar as fotos ou para eu encontrar uma lojinha de fotografia aberta fora do horário da siesta.

Buen camino, compañeros!

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2 comentários:

  1. Força pra você, admirável Carpinha do meu coração! Beijo.
    Ana Clara.

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  2. Sempre inspiradora, Mari. Obrigada por compartilhar tanta energia e alegria.
    Beijos
    Dri

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